quarta-feira, dezembro 22, 2010

Mensagens de Natal e uma proposta para reduzir o défice

por José Vítor Malheiros

Texto publicado no jornal Público a 22 de Dezembro de 2010
Crónica 44/2010
 
A cerimónia de cumprimentos de Boas Festas do Parlamento ao Presidente da República precisa de reforma

Fúnebre. É o adjectivo mais adequado para descrever a mensagem de Natal do presidente da Assembleia da República, Jaime Gama. Ou a mensagem de Natal do Presidente da República. Ambas podem ser vistas em vídeo nos respectivos sites mas são uma tristeza, por isso não aconselho ninguém a ir lá ver. O presidente da Assembleia da República consegue dizer duas vezes "dificuldades" numa mensagem de um minuto e meio e nem Jaime Gama nem Cavaco Silva esboçam o mais leve sorriso durante o breve discurso. Ambos falam de esperança nos seus vídeos, mas só se vê desalento no seu semblante. Nós sabemos as razões, mas eles devem saber ainda melhor. Só Maria Cavaco Silva esboça um sorriso, leve mas simpático, ao dizer o seu "Boas Festas". Apesar desse lampejo, ambas as mensagens contribuem para a depressão. Para a económica e para a outra.

A mensagem do primeiro-ministro devemos ouvi-la só no Natal, mas já sabemos o que podemos esperar: Portugal está mal, mas não podia estar melhor e há quem esteja pior, por isso tudo está bem. Será ainda mais deprimente.

Quanto a mensagens de Natal, este ano também não vai acabar sem que se assista a uma das mais clássicas pepineiras do calendário político: a apresentação dos cumprimentos de Boas Festas a Sua Excelência o Presidente da República pela Digníssima Assembleia da República, representada pelo presidente da Assembleia da República, pelos seus vice-presidentes, pelos secretários da mesa da AR e pelos presidentes dos grupos parlamentares. Não falta ninguém. Vai ser hoje à tarde. O PAR dá as Boas Festas, o PR responde com Boas Festas, todos muito constrangidos, todos muito hirtos, sem saber o que fazer, o que dizer, para onde ir, para onde olhar, onde pôr as mãos e os pés, como acabar. Depois o PR cumprimenta toda a gente e há câmaras de televisão e fotógrafos que filmam e fotografam como se o evento tivesse alguma importância.

A cerimónia tem um cheirinho de monarquia e é fatuamente oca. Podia ser um momento simpático e descontraído, cheio de graça e brilhantismo, onde se abrisse uma pipa de vinho do Porto e todos os políticos presentes tivessem de fazer um brinde original ao novo ano, numa espécie de desgarrada com wit e com verve, mas imaginem como seria confrangedor para o Presidente se, uma vez por ano, se esperasse dele ummot d"esprit. A sugestão fica aqui, de qualquer forma. Talvez um futuro presidente a possa aproveitar. Tal como está, a cerimónia, se tem algum significado político, é um que não é aceitável: a vassalagem da AR ao PR.

Não digo isto por não apreciar as tradições. Aprecio muitas, das mais arcaicas às mais recentes. Há algumas que têm mérito porque têm graça ou porque transportam a memória de algo com significado. Acho graça que os grupos folclóricos vão cantar as Janeiras ao PR no Dia de Reis, por exemplo. E não passo um primeiro de Janeiro sem o Concerto de Ano Novo da Filarmónica de Viena. Mas estas tradições têm música e boa disposição. A brigada das Boas Festas está além do suportável. E não só para mim mas também para os pobres dos intervenientes.

A minha contribuição para a redução do défice é que se substituam os cumprimentos de Boas Festas por uma mensagem que o presidente da AR pode enviar por mail ao PR. Apenas uma mensagem. O Presidente pode responder também por mail. Se a WikiLeaks a apanhar não tem importância porque nem tudo tem de ser secreto. O fotógrafo oficial pode fazer uma foto do Presidente a ler a mensagem, o cameraman oficial pode fazer um vídeo. Quem quiser pode ver na Internet o vídeo do Presidente a ler o mail na Internet. E poupa-se o tempo de toda aquela mascarada.

Em que é que isto reduz em défice? O efeito não é dos mais drásticos, mas reduz. Poupa-se em viagens e em electricidade, poupa-se em tempo de emissão na televisão, poupa-se o tempo daquela gente toda que pode ser usado para coisas mais úteis e, principalmente, poupa-se a nossa fatigada paciência que é o bem que está a sofrer o mais profundo défice de que há memória. (jvmalheiros@gmail.com)

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