Texto publicado no jornal Público a 9 de Junho de 2009
Crónica xxx/2009
Uma enorme quantidade de portugueses politicamente conscientes quis mandar as eleições e os partidos à fava
Se há alguma coisa que se pode concluir das eleições deste domingo é a extensão e a profundidade do descontentamento dos portugueses - para ficarmos apenas pelas eleições em Portugal. Descontentamento com o Governo, com o partido do Governo, com os partidos em geral, com as eleições e, provavelmente, até com a vida.
O descontentamento com o Governo e o partido no Governo é o dado que mais salta à vista e não precisa de justificação. Há uma nítida vontade de castigar o Governo e/ou o PS e/ou José Sócrates e as razões vão desde a crise financeira e o desemprego aos desastres da Justiça ou da Educação e às dúvidas sobre a lisura do comportamento de Sócrates e aos seus tiques autoritários. O mau resultado do PS não se pode ler como uma derrota pessoal do próprio Vital Moreira. Mesmo que o cabeça de lista do PS tivesse sido o/a candidato/a ideal, seria pouco provável que a empatia que pudesse despertar se sobrepusesse à antipatia que o Governo/PS/Sócrates desperta actualmente num sector maioritário dos cidadãos.
O PSD ganhou, mas, apesar de a sua vitória ser inegável, os números também não reflectem o entusiasmo que poderiam revelar - basta verificar que, em 1999, o PSD sofreu uma clamorosa derrota, apesar de ter obtido exactamente a mesma percentagem de votos que no domingo passado.
O Bloco de Esquerda mais do que duplicou os seus votos, triplicou a sua representação parlamentar e passou a ser a terceira força partidária, o que representa uma estrondosa vitória - mas seria ilusório considerar que a votação no BE destas eleições é um resultado consolidado. Há certamente aqui votos de eleitores que querem mudar e dar mais poder ao BE, mas é provável que haja aqui muito voto socialista de protesto, que quer apenas mostrar o seu descontentamento, puxar a governação europeia (e nacional) para a esquerda e que regressará ao PS na primeira oportunidade de voto útil.
O PCP (PCP-PEV para os puristas) viu a sua votação dar um salto de 70.000 votos, também numa expressiva vitória - e é provável que este crescimento se revele mais estável do que o do BE. E este é, por excelência, um voto de descontentamento com o statu quo.
O mesmo se passa com o CDS-PP, que subiu, resistindo à ameaça da força gravítica do PSD - o que diz alguma coisa do débil entusiasmo que o voto social-democrata foi capaz de suscitar fora da sua área natural.
Os pequenos partidos - apesar do entusiasmo do Movimento Esperança Portugal - revelaram-se, no conjunto, uma desilusão, sem conseguirem entusiasmar senão um número insignificante de eleitores.
Os votos em branco e nulos, por seu lado, representam um dos dados mais significativos desta eleição: nunca foram tantos (com a excepção de 1975). Houve 236.000 pessoas que se deram ao trabalho de ir votar, mas votaram em branco (164.877) ou nulo (71.151). Mesmo descontando os enganos, é ineludível que uma enorme quantidade de portugueses politicamente conscientes quis mandar as eleições e os partidos à fava. Não se pode estar muito mais descontente do que isto.
Finalmente, a abstenção recorde (a segunda mais alta desde a adesão à EU) representa se não uma recusa activa de participação política, pelo menos indiferença relativamente às escolhas ou ignorância quanto à sua utilidade - e nenhum destes cenários sugere um particular optimismo. Para além das leituras parcelares (partido a partido) que se podem fazer destas eleições, uma coisa parece evidente: os portugueses não estão contentes com o país que têm e não vêem grandes soluções para isso. Jornalista (jvm@publico.pt)
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