Texto publicado no jornal Público a 16 de Junho de 2009
Crónica xx/2009
O texto abaixo pode ser um choque para cientistas especializados em sondagens. Para ser lido com supervisão
Éclaro que percebo a inquietação dos especialistas e das empresas de sondagens tentando explicar o desvio entre as suas previsões e o resultado das eleições europeias. É verdade que os desvios não foram enormes em termos numéricos, só que prever que o PS ganha e o PSD fica em segundo é exactamente o contrário de prever que o PSD ganha e o PS fica em segundo - é cem por cento de erro. Um erro que não é coberto por nenhuma margem. E o que acontece é que as perguntas que se quer ver respondidas quando se fazem sondagens são perguntas deste género - e não saber se o PSD vai ter 32 ou 34 por cento, o que é, de facto, irrelevante.
É como quando olhamos para o relógio. Nunca é para saber a hora. O que queremos é saber se ainda podemos dormir mais um bocado, se os miúdos vão chegar a horas à escola, se devemos começar a preparar o jantar.
Mas, apesar de perceber os sondadores, devo dizer que foi com alguma alegria que constatei os erros das sondagens na noite das eleições - e suspeito que deve ter havido milhares de portugueses com o mesmo sentimento. Afinal, nós, os eleitores, sempre servimos para alguma coisa. É que reparem: se as previsões fossem cada vez mais precisas, isso forneceria um excelente argumento para pôr fim às eleições e substituí-las por uma bela sondagem.
De facto, para que é que havíamos de fazer eleições, se já soubéssemos que o PSD iria ter 34,37 por cento e o PS 27,87? As sondagens, para mais, oferecem bónus de informação que as eleições não permitem. Alguma eleição nos iria dizer que as mulheres urbanas dos 25 aos 34 anos que se vestem de preto votam maioritariamente (37,22 por cento) no Bloco de Esquerda na Região de Lisboa, mas que já votam maioritariamente no PS no vale do Mondego? Que eleições nos poderiam dar esta riqueza de pormenor sem usar câmaras de videovigilância instaladas (para nossa protecção) nas cabines de voto? As sondagens fazem maravilhas destas sem qualquer problema.
E se acham que ninguém defende a substituição de eleições por sondagens, é só porque elas ainda não estão au point. Quando estiverem, haverá alguém que vai lembrar o dinheiro que se gasta nas eleições, o tempo perdido por milhões de eleitores - e daí a concluir que as eleições prejudicam a produtividade nacional será um passo.
Os especialistas de sondagens, como cientistas que são, não estão habituados a ver a realidade tentar enganá-los, mas é exactamente isso que se passa nas sondagens. (SPOILER) Isto pode ser duro, mas a verdade é que as sondagens não acertam sempre porque... há pessoas que... como dizer... mentem! É verdade. Eu faço isso nas sondagens. As sondagens são uma espécie de eleições artificiais - no sentido de "inteligência artificial" - e eu, por enquanto, ainda prefiro votar, por isso faço o que posso, na modesta medida das minhas possibilidades, para que as eleições artificiais continuem a apresentar falhas. Há ainda outra razão: há pessoas que gostam de pensar que são indivíduos irrepetíveis e criadores, imprevisíveis e voláteis, humanos e livres. E a ideia de que o seu livre-arbítrio já esteja limitado pelo livro do destino dos resultados das sondagens perturba-os. Como é que eles se atrevem a pensar que já sabem como é que eu vou votar se eu não sei? Vai daí, mentimos.
Eu sei que isto vai ser um choque para os cientistas das sondagens, mas é como as eleições: é mesmo assim. As sondagens, por enquanto, não são. Ainda bem. Jornalista (jvm@publico.pt)
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