por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 5 de Dezembro de 2006
Crónica 42/2006
Caso se demonstre que os jornalistas estão a ser beneficiados relativamente ao cidadão comum, essa desigualdade deve ser reparada.
Antes de mais, a declaração de interesses: sou jornalista e beneficiário da Caixa de Jornalistas.
A seguir, um facto: a Caixa de Jornalistas constitui um sub-sistema de saúde baseado na livre escolha do médico pelo beneficiário. O jornalista vai ao médico que deseja, paga, pede um recibo, envia o recibo para a Caixa e recebe o reembolso de parte dessa despesa, de acordo com uma tabela de comparticipações.
Depois, a minha posição: sou contra a extinção da Caixa de Jornalistas.
Finalmente, os argumentos:
1. Acabar com a Caixa de Jornalistas (CJ) é acabar com algo que funciona bem e com agrado dos seus utentes, para o substituir por algo que funciona mal e com desagrado dos seus utentes. Este argumento, por si só, deveria merecer alguma atenção por parte de um Governo que diz ter como bandeiras a produtividade e a eficiência da Administração Pública – para não falar da saúde.
2. O argumento para acabar com a CJ, segundo o Governo, não é financeiro, mas de uniformização. Mas não há razão para escolher a uniformização quando essa escolha implica uma degradação da qualidade de atendimento e de vida. Uma sociedade democrática vive da diferença, uma sociedade inovadora aceita e estimula a diferença e tem de aprender a gerir a diferença e a descentralizar. A diferença só é perturbadora nas sociedades totalitárias. Nivelar por baixo em nome da uniformização é inaceitável.
3. Vejamos o argumento financeiro (partindo da hipótese, sensata, de que o Governo está a mentir quando diz que não se trata de uma questão de dinheiro): existe o facto perturbador de a CJ e o Governo, que têm acesso aos mesmos números, chegarem a conclusões opostas quanto aos custos da instituição. A primeira diz que o sistema custa metade do sistema comum, o segundo diz que é mais caro. Há aqui uma diferença que seria bom esclarecer. Se for como diz a CJ, a extinção desta Caixa é um elogio do desperdício. Se for como diz o Governo, ele deveria mostrar números que provem o que é afirmado.
4. É evidente que não basta que os jornalistas consigam pagar com os seus descontos a sua própria Caixa. É evidente que há um dever de solidariedade social que os jornalistas reconhecem e aceitam. Ou seja: caso se demonstre que os jornalistas estão a ser beneficiados relativamente ao cidadão comum, essa desigualdade deve ser reparada.
Mas, se existe alguma desigualdade no actual sistema, há várias formas de o sanar que não passam pela extinção da Caixa – que, repita-se, funciona bem. Se o Estado considera que gasta mais do que deve gastar com a CJ, isso pode e deve ser resolvido através de um ajustamento das comparticipações (ou de um aumento de contribuições, como a própria presidente da CJ propôs!) em vez da extinção.
Em conclusão: não há argumentos financeiros ou de equidade que se possam invocar para extinguir a CJ. A medida apenas pode ser defendida em nome de uma atitude de igualitarismo cego - para não pôr a hipótese de uma mera demonstração de força perante uma profissão que o poder gosta de ver dócil e fragilizada.
5. Considero improcedentes os argumentos sobre o desgaste rápido da profissão de jornalista, que justificariam alguma compensação ao nível dos serviços de saúde. Há profissões de desgaste mais rápido, sem essa benesse.
6. Há finalmente, outra questão, que a política portuguesa banalizou, mas que merece reparo: a grosseria com que o Governo trata entidades e cidadãos respeitáveis, recusando-se a dialogar até depois dos factos consumados, rompendo unilateralmente negociações sem a sensatez de uma discussão e sem a delicadeza de uma explicação. Uso o privilégio de escrever esta coluna para defender o direito à cortesia.
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