por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 12 de Dezembro de 2006
Crónica 43/2006
Quando as mulheres têm mais poder, as crianças são mais protegidas.
1. No passado domingo, Muhammad Yunus e o Banco Grameen, que este economista do Bangladesh fundou em 1976, receberam em Oslo o prémio Nobel da Paz. Criador do conceito de microcrédito, Yunus já ajudou a sair da pobreza mais de seis milhões de pessoas, que receberam na maior parte dos casos empréstimos de menos de 200 dólares para criar os seus próprios empregos.
Mais de 90 por cento dos beneficiários directos do microcrédito no mundo são mulheres e no Banco Grameeen a percentagem sobe aos 96 por cento. Porque é que o Grameen prefere emprestar a mulheres? Porque as mulheres usam melhor o dinheiro: têm maiores taxas de sucesso no lançamento ou expansão de um negócio, conseguem pagar os empréstimos a tempo e melhoram mais as condições de vida das suas famílias e o seu nível de nutrição do que os homens. Além de que a probabilidade de os filhos serem enviados à escola é muito mais elevada quando o dinheiro está no bolso da mãe do que na mão do pai.
2. Ontem, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) divulgou a seu relatório "Situação Mundial da Infância 2007". O documento coloca a tónica na igualdade de géneros, que considera não só um imperativo em termos de direitos humanos mas também a forma mais eficaz de defender os direitos das crianças.
Porque é que dar mais poder às mulheres protege as crianças? Porque, diz o relatório, nas famílias onde as mulheres são as principais decisoras, a proporção dos recursos destinados às crianças é muito maior. "As mulheres geralmente valorizam mais as metas relacionadas com o bem-estar e são mais propensas a usar a sua influência e os recursos sob o seu controlo para promover o atendimento das necessidades das famílias, em especial das crianças", diz o documento.
3. Nada disto são profissões de fé. Nem o Grameen nem a Unicef colocam a tónica na necessidade de dar mais poder às mulheres por razões filosóficas (ainda que elas também possam existir). Os seus argumentos são pragmáticos. Quando as mulheres têm mais dinheiro, mais prestígio social, as famílias vivem melhor e as crianças são mais protegidas. E nas famílias mais pobres dos países mais pobres as diferenças são mais flagrantes: o poder dado às mulheres permite não só salvar as próprias mulheres da discriminação, da exploração, da violência e da pobreza, mas resgatar mais crianças da fome, da ignorância e da doença e melhorar as condições de vida das famílias – e com elas, também dos homens. Aragon tinha razão: "la femme est l'avenir de l'homme".
4. Algo ressalta desta constatação. A representação estereotipada da mulher (nos media, na publicidade, no entretenimento, no discurso político, nas decisões judiciais), como ser de capacidade diminuída e condenado a actividades de menor relevância social, é um factor que reforça não só um estatuto iníquo, que ofende o sentido de justiça, como contribui para eternizar situações de discriminação que afectam as mulheres e toda a sociedade. Tanto entre nós como nos países menos desenvolvidos. O relativismo moral (que se mascara às vezes de aceitação das diferenças culturais) não pode pactuar com as situações que estão na raiz do mal. O que os dados nos dizem é que a luta contra a pobreza e pelas crianças passa necessariamente por dar mais poder às mulheres. E se começássemos por aqui?
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