por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 25 de Abril de 2006
Crónica 15/2006
A explosão de Cheliabinsk contaminou 23.000 quilómetros quadrados e afectou 270.000 a 400.000 pessoas.
Quando se comemoram trinta anos sobre a catástrofe de Chernobil (ver Destaque do Público de hoje), vale a pena lembrar que este não foi o único acidente nuclear grave ocorrido no mundo e que aquela zona da Ucrânia não constitui a região do globo mais atingida pela poluição radioactiva. Essa distinção cabe a uma região russa a sul dos Urais, entre Cheliabinsk e Sverdlovsk, que foi durante muitos anos o centro da indústria nuclear de uso militar na União Soviética e, nomeadamente, o centro de produção de plutónio.
Nesta zona verificou-se há quase cinquenta anos, em Setembro de 1957, uma explosão num depósito de resíduos que se manteve secreta durante quase vinte anos. O acidente mereceria a primeira menção na imprensa europeia a 4 de Novembro de 1976, num artigo escrito na revista britânica "New Scientist" pelo biólogo dissidente russo Zhores Medvedev. O artigo intitulava-se "Two decades of dissidence" e nele Medvedev fazia uma referência de passagem à explosão.
Para sua surpresa – Medvedev julgava o facto conhecido no Ocidente – o anúncio deu origem a uma comoção mediática mundial, marcada por corroborações de soviéticos exilados e por inúmeras reacções de cepticismo. Uma das mais peremptórias veio do presidente da Autoridade da Energia Atómica do Reino Unido, John Hill, que afirmou que o relato de Medvedev era "um disparate" e que uma tal explosão numa lixeira nuclear era impossível pois os soviéticos seguiam as normas de segurança internacionais. Uns dias depois da publicação de Medvedev, os jornais americanos publicavam uma meia confirmação: fontes da CIA admitiam a ocorrência de um acidente em 1957 na região, mas diziam que ele tinha sido num reactor e não num depósito de resíduos.
Zhores Medvedev dedicou uma parte importante dos dois anos seguintes a provar o que tinha dito. Estudou a literatura científica publicada na URSS sobre os efeitos da radiação no ambiente, que apesar de censurada, mostrava a terrível dimensão do que tinha acontecido, e publicou um livro, "Nuclear Disaster in the Urals".
A localização da explosão demorou anos a ser estabelecida e com ela a designação dada ao acidente. Ainda hoje há quem fale de Kishtim, de Cheliabinsk (a grande cidade da região), de Cheliabinsk-40 ou Cheliabinsk-65 (nomes de código da cidade industrial) ou de Mayak (o nome da instalação industrial).
A explosão, que a URSS só admitiu em 1989, contaminou 23.000 quilómetros quadrados, afectando 270.000 a 400.000 pessoas. Ninguém sabe quantas centenas ou milhares morreram nos dias que se seguiram, mas sabe-se que passados dois anos os hospitais da região estavam ainda inundados por pessoas irradiadas. E ainda hoje a região é o exemplo da desolação nuclear.
Há quem considere Cheliabinsk o mais grave desastre nuclear de sempre (ainda que a explosão de 1957 não tenha tido a dimensão de Chernobil) por ele ter ocorrido numa zona já imensamente contaminada – onde se seguiriam outros acidentes aliás.
A história de Cheliabinsk é exemplar pelo facto de a CIA ter tido conhecimento dela mas ter tentado abafá-la, aparentemente para proteger os interesses da indústria nuclear americana (como se descobriria nos anos 70 com a desclassificação de documentos secretos) e pelo facto de nunca ter merecido um tratamento mediático adequado (quando a história foi descoberta já era velha). E lembra-nos, mais uma vez, que o comportamento seguido pelos estados e pelas instituições, no que diz respeito à segurança nuclear, é por regra o segredo e a dissimulação.
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