por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 29 de Maio de 2012
Crónica 22/2012Os serviços de informações pagos pelos nossos impostos tornaram-se um exército privado ao serviço de interesses obscuros
Para que servem os serviços de informações? Todos sabemos para que podem servir os serviços de informações, em teoria, e todos lemos suficientes romances de espionagem para saber aquilo para que os serviços de informações podem servir. Mas a pergunta refere-se à realidade actual e a Portugal.
Para que servem hoje os serviços de informações portugueses? Se tivermos em conta as notícias que temos lido nos últimos meses, a resposta é fácil: os serviços de informações servem exclusivamente como exército privado ao serviço do partido que domina o aparelho de Estado num determinado momento e são usados para a recolha de informação privada ou reservada ao serviço de interesses particulares e para o exercício de pressões para servir os mesmos interesses.
No fundo, servem apenas para que umas quantas pessoas com poder e sem escrúpulos aumentem o seu poder e a sua conta bancária e intimidem os seus rivais e adversários graças ao trabalho de serviços públicos pagos por si e por mim.
Para além disto, se fazem mais alguma coisa não fazemos a mínima ideia do que seja.
Os especialistas respondem que é mesmo assim que deve ser, porque é da natureza dos serviços de informações agirem na sombra. Mas a sensação que qualquer cidadão não pode deixar de ter é que essa opacidade - que em teoria protege a operacionalidade e a eficácia dos serviços - na prática apenas serve para esconder malfeitoirias e para subtrair a acção dos espiões ao escrutínio democrático e da justiça. É verdade que existe um Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa, mas a composição desse conselho não é impermeável à pressão de um SMS de um ex-espião, que consegue melhor ainda do que substituir uma “deputada chata”: consegue chutá-la para cima, onde pode ser vigiada de perto e onde se espera que não continue a defender inconveniências como um período de nojo que dificulte o livre-trânsito de espiões entre serviços secretos e empresas.
Ou seja: não só a actividade dos serviços secretos nos parece mais perniciosa que benéfica para a democracia, como ela não parece ser objecto de nenhum escrutínio eficaz. É verdade que só conhecemos a ponta do iceberg da actividade das secretas e que existe uma imensa massa de acções submersas em profundidades misteriosas que, dizem alguns, fazem um trabalho essencial à segurança da república. No entanto, pelo meu lado, não vejo nenhuma razão para acreditar em tal coisa. É que, se fosse assim, se houvesse alguma acção digna de mérito, alguma operação bem sucedida, algum gesto exemplar de competência policial, alguma missão republicana entre aquela massa de serviços prestados aos amigos, aos amigalhaços, aos patrões e aos correligionários, mão amiga já a teria dado a conhecer aos quatro ventos há muito.
Reconheço que talvez seja injusto dizer que os serviços de informação estão ao serviço do partido do poder e dos seus amigos e sócios. Talvez seja mais rigoroso dizer que estão ao serviço apenas de uma facção do partido do poder, da clique que se mostra mais determinada e menos manietada pelos escrúpulos. E talvez seja aindamais rigoroso dizer que estão apenas ao serviço de uma dada loja neo-maçónica. Só que o problema não se torna por isso menos grave, pelo contrário. É que o PSD ainda vai a votos. A loja Mozart nem isso.
Como cidadão, indigna-me que o aparelho de Estado que se devia empenhar na promoção da liberdade e na redução das desigualdades seja colocado ao serviço de interesses particulares, sirva para sequestrar direitos aos cidadãos e concentrar a riqueza nas mãos de uns quantos. E espanta-me que os “liberais” que falam tanto do mercado, não se indignem com este enviesamento do mercado, esta corrupção da concorrência. Estranhos “liberais” que guincham se os nossos impostos forem para uma empresa pública, mas aplaudem se forem para os bolsos de Eduardo dos Santos ou da Ongoing.
Ia escrever que, se os partidos da maioria tivessem um resto de vergonha, deviam investigar isto até ao fim, levar a tribunal os suspeitos, reformular os serviços de informação de cima a baixo, renovar o sistema de fiscalização, talvez acabar com os serviços de informações. Mas não vale a pena escrever isso. O Governo, Passos e sus muchachos, Relvas e os seus aventais, continuam a sua marcha, indiferentes ao lodo que se lhes cola às pernas e ao nome. Desde que o país empobreça e definhe, tudo está bem.
Há, no meio de tudo isto, algo positivo: saber-se que Francisco Pinto Balsemão foi objecto de uma investigação que não se coibiu de recolher informações sobre a sua vida íntima. Não porque o acto não seja ignóbil, como é. Mas porque só a evidência da absoluta falta de escrúpulos das pessoas que se apoderaram do aparelho de Estado poderá levar os restantes a obrigá-los a arrepiar caminho. Lembram-se do poema? “Primeiro vieram buscar os comunistas, mas como eu não era comunista não disse nada...” (jvmalheiros@gmail.com)
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