por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 7 de Junho de 2011
Crónica 23/2011
Os “partidos da governação” parecem entender que a campanha eleitoral não é lugar para falar de política
1. O assunto já foi abordado por muitos protagonistas políticos e por muitos comentadores ao longo das duas últimas semanas: a quase ausência de discussão política substantiva ao longo da campanha. Não é que as nossas campanhas eleitorais sejam caracterizadas por um sério debate político, mas é que desta vez faltou mesmo o enunciado pelos vários partidos da meia dúzia de medidas emblemáticas que prometessem tentar levar à prática e esse discurso foi substituído pela repetição de vagas declarações de intenção. É verdade que os dois partidos mais à esquerda (PCP e BE) foram mais concretos que os três partidos mais votados (PSD, PS e CDS) mas, mesmo aí, a situação tinha um ar de total artifício – devido à inexistência de contraditório por parte dos partidos à sua direita, devido ao pacto de não-agressão entre aqueles dois partidos e por ser evidente que nenhum deles estava de facto preocupado com a viabilidade ou consequências reais dessas medidas, que sabia que nunca seria chamado a pôr em prática. Assim, as propostas dos maiores partidos estiveram durante a campanha, por uma razão ou por outra, cobertas por um manto diáfano de fantasia que deu a esta campanha um ar particularmente irreal e que foi aliás comentado pelos correspondentes da imprensa estrangeira.
É evidente que o acordo com a troika é a razão deste facto – nenhum partido quis lembrar as medidas impopulares já decididas, nenhum podia distinguir-se dos outros com medidas populares e empolgantes – mas o que é mais chocante é que, antes da campanha, estes temas até estavam, pior ou melhor, a ser discutidos, quando o início da campanha eleitoral veio inaugurar uma verdadeira silly season, um intervalo no debate político.
Tudo se passou, estranhamente, como se fosse entendido por todos que a campanha eleitoral não é lugar para falar destas coisas, como se existisse uma liturgia da futilidade que deve ser seguida nas caravanas dos partidos, uma etiqueta que fosse indelicado desrespeitar, como se falar de política durante uma campanha eleitoral fosse tão deslocado como discutir negócios durante um velório.
Este acordo não escrito de preservação do folclore eleitoral envolve partidos e media. Durante estas duas semanas, os jornalistas são parte integrante neste circo de fait-divers onde uma sardinha assada, um ovo que é atirado, uma discussão de feirantes ou o aparte de um autarca podem ganhar honras de lead e onde algo mais substantivo se guarda para tratar mais tarde, para depois da contagem dos votos.
2. O cidadão Aníbal Cavaco Silva publicou no sábado às 10h33 da manhã na sua página do Facebook um post exortando os eleitores a votar. Nesse texto, diz, a dada altura: “Quem não votar perde legitimidade para depois criticar as políticas do Governo”.
Acontece que esta página, apesar de estar identificada apenas como pertencendo a “Aníbal Cavaco Silva, Public Figure” e de não ser a página da Presidência da República (essa é outra) parece ser a do Presidente da República – pois “Aníbal Cavaco Silva, Public Figure” diz aqui que vai fazer uma “comunicação ao país”.
Ora, não sendo o voto obrigatório em Portugal, e sendo a abstenção um comportamento político legítimo, é difícil compreender como pode alguém perder a legitimidade para dizer ou criticar seja o que for – e muito menos o Governo – por não ter ido votar. A frase seria admissível na pena de qualquer cidadão mas, na do PR é, essa sim, totalmente ilegítima, pois constitui uma tentativa de limitação da liberdade de expressão e, especificamente, do direito de criticar o próximo Governo. (jvmalheiros@gmail.com)
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