segunda-feira, junho 20, 2011

Audição sobre Educação para o Risco - Intervenção de José Vítor Malheiros

Conselho Nacional de Educação, 20 de Junho de 2011

Esta Audição é sobre Educação para o Risco e eu não sou nem um especialista de Educação nem de Risco, portanto sinto-me à vontade para dizer disparates. Mas talvez seja um especialista do que está no meio, da intermediação.
Se nós perguntarmos às pessoas, neste momento concreto, em Portugal, quais são os riscos que mais receiam, provavelmente vão dizer-nos que é a subida da prestação da casa para um nível que já não a consigam pagar, o desemprego, as perturbações sociais, a saída do euro, a catástrofe económica. Receiam um conjunto de riscos que se situam numa categoria que podemos chamar “riscos sociais”. No entanto, quando se fala de Educação para o Risco ou de percepção do risco costumamos pensar noutro tipo de riscos, completamente diferentes: catástrofes, acidentes, etc.
Para tentar sistematizar um bocadinho, a primeira coisa que eu acho que é importante dizer é que quando falamos de risco falamos de tipos de riscos muito diferentes, que afectam de forma diferente e em grau diferente grupos diferentes de pessoas. Há riscos pessoais, há riscos colectivos, há riscos evitáveis, há riscos inevitáveis.
Há riscos que são inevitáveis, mas que podemos gerir de alguma maneira. Não podemos evitar todas as epidemias, mas uma epidemia pode ser controlada de alguma forma, por exemplo, Um sismo não pode ser evitado de forma alguma nem pode (por enquanto) ser previsto. Mas uma epidemia pode ser esperada e até certo ponto pode ser prevenida.
Temos, portanto, uma gradação que vai desde os riscos pessoais aos colectivos, dos riscos de muito baixa probabilidade aos de muito alta probabilidade, desde aqueles que causam poucos danos aos que causam muitos danos. Há aqui uma panóplia grande e acho que é importante ter essa noção.
Considero muito importante que haja uma Educação para o Risco nas escolas. Eu gostaria que os meus filhos beneficiassem dessa Educação para o Risco. Mas sou totalmente avesso a qualquer alteração dos currículos ou enriquecimento dos currículos com “um capítulo sobre risco”. Acho que isso seria um absoluto disparate. Isso tem de ser uma tarefa das escolas e uma preocupação do corpo docente e, de alguma forma, tem de ser incluído na prática e na cultura das escolas.
Voltando um pouco atrás, aos vários tipos de risco, gostava de chamar a atenção para o facto de que hoje em dia ouvimos falar de risco quase sempre de uma forma negativa. São as catástrofes naturais, as epidemias, os riscos tecnológicos. Mas, por outro lado, também ouvimos falar de um certo tipo de risco como uma coisa positiva. Uma das coisas que ouvimos muito, e que faz parte de um certo tipo de discurso, é que temos de educar os nossos jovens para serem capazes de assumir riscos. Eu acho que, de facto, isso é muito importante e subscrevo essa preocupação - desde que essa defesa da assunção do risco, essa aprendizagem do risco, não se inclua num determinado tipo de discurso muito marcado ideologicamente e que, em geral, não subscrevo. Mas acho que temos de educar os nossos jovens para assumirem riscos. E não estou a falar apenas de riscos do ponto de vista do empreendedorismo económico - que é o tipo de discurso a que isto costuma estar associado e ao qual eu me referia. Penso que temos de educar os nossos jovens para assumirem riscos, para viverem aventuras, para fazerem explorações, para tentarem experiências, para fazerem coisas perigosas. Mas não é só isso: temos também de ensinar aos jovens ou fazer de alguma forma com que os jovens assumam os riscos do envolvimento político, cívico, do envolvimento sentimental.
É muito importante que um certo tipo de risco e um certo grau de risco seja aceite como uma coisa natural e boa, o que torna as coisas ainda mais complicadas. Nesta panóplia toda há até uma série de riscos que são bons.
Mas o que será então essa Educação para o Risco? Eu penso que uma Educação para o Risco é, sem dúvida nenhuma, uma educação que fornece um determinado tipo de informação. Estamos todos de acordo quanto a isso, ainda que depois não estejamos de acordo quanto às formas de o fazer. Há alguma informação que é preciso ser dada, que é preciso ser recolhida, sistematizada e dada.
E isto é mais importante do que parece, porque o problema é mais complexo do que parece. Nós partimos sempre do princípio de que existe informação e de que existe boa informação disponível. Como profissional de comunicação, que sempre fui, penso que não existe informação e que não existe boa informação. É esta quase sempre a situação. Não existe em quantidade e não existe em qualidade. Basta ver a confiança que merece aos cidadãos uma grande parte da informação que recebemos do Governo, por exemplo, para compreender que temos um problema a resolver. Porque neste caso a questão da confiança é crucial.
Existe um enorme grau de desconfiança relativamente a informação absolutamente fundamental para nós tomarmos decisões sobre as nossas vidas. Eu quero saber se nós vamos sair do euro ou não, eu quero saber se estamos na bancarrota ou não, e não tenho forma de o saber. Portanto, eu gostaria de contrariar esta ideia de que existe informação idónea disponível e que basta tratar da sua distribuição. Penso que não existe, que essa informação idónea deve ser construída e que a confiança que faz com que essa informação seja aceite pelos cidadãos deve também ser construída.
Mas, para além desta informação que é importante transmitir aos jovens, para viverem com o risco e para saberem encarar o risco, avaliar o risco, desafiar o risco, gerir o risco, há uma formação que tem de ser da ordem do fazer.
O vereador da Câmara Municipal de Lisboa deu um exemplo, a propósito de um risco pessoal, que é uma coisa básica: ensinar as crianças a nadar. Eu sempre achei que os meus filhos tinham de aprender a ler e de aprender a nadar. É uma questão de sobrevivência básica, as nossas crianças deviam todas saber nadar, para além de uma série de outras coisas, mas que são saberes da ordem do saber fazer, e não apenas do saber saber.
Penso, por isso, que é importante que a escola tenha uma filosofia, uma atitude, uma cultura de acção. O risco é uma coisa que só se conhece na prática, que só se conhece verdadeiramente quando se experimenta.
Acho que seria importante que as escolas assumissem, como parte de uma atitude de educação para o risco, uma atitude de fazer coisas. Acho que um dos riscos que é fundamental que seja assumido e aprendido é o risco de falhar. Nós penalizamos excessivamente o fracasso, o erro, ao mesmo tempo que dizemos que queremos inovação. Não há inovação se penalizarmos as pessoas por falharem. Não há inovação se penalizarmos as pessoas por não assumirem riscos. Portanto, na realidade, nós queremos que as pessoas assumam muito poucochinhos riscos...
Eu gostaria de ver as escolas a participar, mesmo ficando em último, em toda a espécie de concursos, em toda a espécie de desafios e em toda a espécie de competições.
Acho que essa cultura de acção, quer seja nas Olimpíadas da Matemática, quer seja a ajudar a fazer o jardim da praceta, é extraordinariamente pedagógica. Descobrem-se os limites do conhecimento, a imprevisibilidade de uma série de saberes.
Penso que as questões que a Maria Eduarda Gonçalves levantou são muito importantes, as questões da incerteza e da imprevisibilidade, mas acho, também, que não se aprendem apenas com leituras ou debates na aula. Considero os debates necessários e utilíssimos, o confronto de diferentes saberes, não com um perito, mas com dois peritos com opiniões diferentes. Acho que se aprende nesse confronto, nessa discussão, mas acho, sobretudo, que se aprende fazendo coisas.
Uma nota final: um dos âmbitos que penso ser fundamental para esta educação para o risco é a prática de desportos.
Outro que me parece essencial é a prática oficinal, a educação profissional. Trabalhar numa oficina, trabalhar com um torno, com ferramentas. Não é possível ensinar um miúdo a trabalhar com um formão, com um maço e com um torno, sem transmitir essa noção de risco, de risco calculado, de risco de acidente e sem transmitir essa noção básica na gestão do risco que é a administração de primeiros-socorros.


DEBATE
José Vítor Malheiros - Duas notas finais. A primeira é a propósito do risco dos outros. O risco, como eu disse há pouco, é visto de muitas maneiras. E, muitas vezes, em sociedades como a sociedade americana, é encarado como uma forma de seleção. Há as pessoas que assumem riscos e que conseguem vencer desafios e há pessoas que são esmagadas pelo risco e ficam para trás, são ultrapassadas.
Acho que é muito importante, quando se fala de Educação para o Risco, termos a consciência de que há o risco dos outros. Não se trata apenas do nosso risco pessoal. A noção de risco não deve ser apenas uma noção individual e pessoal mas deve incluir uma noção de risco social, do risco pessoal dos outros.
O que eu quero dizer é que a educação para o risco deve ser, e há todas as razões para que o seja, uma educação para a cidadania, porque a partilha de riscos, a gestão colectiva dos riscos (quer pessoais, quer colectivos) e a assunção colectiva de responsabilidades, são excelentes “truques” para encararmos o risco e minimizarmos as suas consequências, pessoais e sociais.
Portanto, essa assunção coletiva do risco, essa assunção que eu diria mutualista do risco, (seja qual for a forma que socialmente se adopte, mais empresarial ou menos empresarial, é sempre uma forma mutualista de assunção do risco), pode ser, e na minha opinião deve ser, uma escola de cidadania. O risco é uma escola de partilha e pode ser uma escola de solidariedade.
O último ponto é para dizer que os cidadãos adquirem consciência de muitos riscos, e a sua perceção do risco é muito modelada, pelo tratamento que os media fazem dos riscos, sejam eles quais forem. Acho, por isso, que seria fundamental contar com a colaboração dos media na Educação para o Risco que se faz na escola.
É frequente falar-se em tentar conseguir o apoio dos media para fazer isto ou aquilo e apela-se muito à sua boa vontade, como se algo pudesse acontecer apenas devido à boa vontade dos media. Não é assim. Não se trata de pedir aos media para fazerem uma coisa. É preciso trabalhar um bocadinho antes. É preciso discutir com os media o que é que se quer fazer, é preciso fazer formação dos media, é preciso que os próprios media ganhem consciência das mensagens que veiculam e da forma como elas atingem o público e depois, só depois, pode-se discutir com os media as consequências do seu trabalho e, eventualmente, tentar melhorar a sua mensagem. Pode-se, por outro lado, usar a capacidade de intermediação dos media para estimular e organizar debates. Acho que isso seria uma contribuição importante e, eventualmente, fazer parte das recomendações.


[1] UMIC – Agência para a Sociedade do Conhecimento

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