por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 23 de Junho de 2010
Crónica 23/2010
Crónica 23/2010
Os que dizem que nada justifica a ausência do PR no funeral de Saramago não têm uma pinga de razão
1ª – Cavaco Silva nunca leu José Saramago. Tentou uma vez mas sempre achou aquelas frases demasiado compridas e complicadas e com pontuação muito, mas muito mal feita. Nunca percebeu por que razão havia (e há) pessoas que dizem que Saramago é um grande escritor mas suspeita que eles também nunca o leram e que o fazem apenas por pedantaria e porque são comunistas. É verdade que Nobel veio abanar um pouco esta convicção, mas apenas durante dez minutos.
Afinal, não há nenhuma razão para que o Nobel também não tenha sido dado a Saramago por pedantaria e comunismo (os nórdicos não parece por causa do design, mas são muito comunistas).
2ª – Cavaco Silva leu Saramago. Fez sacrifício mas leu.
Leu mas não gostou. O estilo de Saramago tem um... não sei… não gosta. Não é como… como outros escritores de que gosta, prontos. E os temas não lhe interessam muito.
E o enredo parece-lhe fraco. Muita parra, pouca uva. Tudo aquilo podia-se contar de outra maneira. E há ali muito desrespeito pela tradição católica. Muito. E pela história de Portugal e pela religião. Aquilo nem é bem literatura, é quase só despeito.
3ª – Cavaco Silva não sabe se gosta ou não dos livros de Saramago. Mas sabe que antipatiza profundamente com o homem. Saramago dá-lhe cá uma raiva que ele nem sabe.
E agora que morreu ainda mais porque toda a gente diz que ele era um figura ímpar da cultura portuguesa.
4ª – Saramago era um escritor medíocre. A verdadeira crítica de Saramago foi feita por um membro do Governo de Cavaco Silva em 1992, Lara, então subsecretária de Estado da Cultura – por quem aliás o Doutor Jivago se viria a apaixonar num filme lindíssimo.
5ª – Saramago era comunista. E ateu.
6ª – Só lá iam estar comunistas e companhons de Rute e até podia ter de ouvir coisas desagradáveis.
7ª – Alguém que pode escolher os Açores e escolhe Lanzarote só merece desprezo.
8ª – Cavaco Silva tem de mostrar que é diferente de Manuel Alegre, que é um homem de cultura.
9ª – Cavaco Silva é presidente de todos os portugueses, mas o Saramago não é espanhol? A mulher pelo menos tem um sotaque.
10ª – Isso de “presidente de todos os portugueses” não pode ser visto de uma forma fundamentalista.
11ª – Os Açores estavam óptimos, óptimos.
12ª – Cavaco Silva tinha prometido à família umas férias nos Açores e não tinha prometido nada ao Saramago.
13ª – Se tivesse de ir ao funeral de todos os portugueses que ganharam um Nobel não fazia mais nada.
14ª – Os dois dias de luto nacional significam que Saramago era uma figura nacional ímpar a quem o país muito deve e que os portugueses admiram e respeitam, mas o PR só vai aos funerais de figuras de três dias de luto para cima.
15ª – Depois da triste figura que o seu Governo fez quando censurou O Evangelho segundo Jesus Cristo, Cavaco Silva jurou que odiaria Saramago para além da morte. Talvez tenha sido exagerado, mas uma jura é uma jura.
16ª – O PR só vai a funerais de amigos ou conhecidos.
17ª – Não era na outra semana?
Fica provado que há não uma mas várias justificações para a ausência do Presidente da República nas cerimónias fúnebres de Saramago. A ausência pode ter sido devida a iliteracia, sectarismo, grosseria, mesquinhez, cálculo político, medo, provincianismo, confusão entre o gosto pessoal e pose de Estado ou outra razão. (jvmalheiros@gmail.com)
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