Texto escrito a pedido da Fundação EDP para o catálogo da exposição Povo (comemorativa do centenário da implantação da República)
As democracias proclamam que a soberania reside no povo, que apenas ele é fonte de poder, que apenas são legítimas as leis e os Governos e os tribunais que emanam dele. Mas quando falamos de povo pensamos mais em súbditos do que em soberanos, mais em seguidores do que em chefes, mais em necessitados do que em abastados, em fracos mais do que em poderosos, em mandados mais do que em mandantes…
Que povo é este afinal, fonte de toda a força e vítima de todas as arbitrariedades, que a literatura poética e política nos mostra numa eterna roda de fortuna, numa montanha russa de glória e miséria, de poder e impotência?
Não há maneira de conciliar as duas visões ou de saltar de uma para a outra senão na revolta dos humilhados e ofendidos, mas mesmo aqui o poder foge do povo como areia por entre os dedos, mesmo quando se corta a cabeça a Luís XVI. O povo é quem não tem o poder. Terá o direito mas não tem o poder. Será um gigante mas um gigante tonto e adormecido. O povo é apenas aquele em nome de quem se diz que se exerce o poder – por hipocrisia e cálculo, vergonha ou puro medo. Por muito que a Constituição da República Portuguesa diga que “o poder político pertence ao povo” e que o chavão tenha raízes velhas de 2500 anos.
Nem sabemos bem de quem falamos quando falamos de povo. Estamos dentro ou fora? O povo são os outros ou todos nós? Apenas os menos privilegiados ou toda a gente?
A resposta é mais fácil aqui: o povo é o lugar da ausência do privilégio. O povo são aqueles que não gozam de nenhum benefício particular, que não reivindicam nenhuma vantagem sobre os outros, que não usufruem de nenhum favor. O povo apenas reivindica direitos universais e recusa privilégios. O povo é a igualdade. Por isso ninguém quer ser o povo – com a excepção dos políticos populistas, que falam como se fossem. Por isso a palavra provoca tal frisson nos que querem eternizar privilégios. Por isso é que o povo não está na moda.
José Vítor Malheiros (Abril 2010)
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