Por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 22 de Julho de 2007
Em Cena 12/2007
No Canadá é uma estrela. Uma pop-star, mais precisamente. Antes de mais, Nazanin Afshin-Jam é famosa por ser famosa e é famosa por ser bonita. Só que os seus talentos não ficam por aqui.
Os seus retratos profissionais apresentam-na como cantora, compositora (das suas canções), modelo e actriz. Se ignorarmos uns contratos como modelo quando era estudante, a sua primeira actividade profissional foi como Miss: Miss Vancouver, Miss Swimsuit, Miss World Canada, Miss Desporto, Queen of the Americas e um segundo lugar no concurso de Miss Mundo em 2003. De caminho, foi participando em meia dúzia de episódios de séries de televisão. Aos títulos de beleza seguiram-se os habituais contratos para fotografias, aparições públicas, participações em programas de TV e de rádio, entrevistas várias e uma chuva de capas de revistas. Como cantora a sua carreira é curta: o primeiro álbum (Someday) foi publicado no mês passado e está a fazer uma carreira aparentemente bem sucedida.
Mas Nazanin (é este o seu nome artístico) é também outra coisa: uma militante pelos direitos humanos que conquistou a notoriedade no seu país e para além dele com uma campanha para salvar uma jovem condenada à morte.
Seria aliás mais correcto dizer "nos seus países" porque Nazanin tem dois: o Irão e o Canadá. Nasceu no Irão (Teerão) em 1979, durante a Revolução Iraniana que levaria Khomeini ao poder. A sua família fugiu para a Europa e posteriormente para o Canadá em 1981, depois de o pai ter sido preso pela Guarda Revolucionária de Khomeini, torturado e condenado à morte.
Na Universidade de British Columbia, Nazanin estudou Ciências Políticas e Relações Internacionais, estudos que complementou com pós-graduações em França e Inglaterra. Enquanto estudava teve tempo para aprender a pilotar aviões (fez o curso dos Royal Canadian Air Cadets), além de se dedicar à prática de vela, caiaque, karting e dança e de trabalhar como voluntária da Cruz Vermelha em campanhas contra as minas terrestres e em defesa das crianças que vivem em zonas de guerra. Depois disso, a actividade de Nazanin foi muito além da das jovens que se limitam a declarar no palco que se pudessem concretizar um desejo pediriam "a paz no mundo".
A história da sua família, o seu trabalho como voluntária da Cruz Vermelha e o facto de ter sido uma jovem iraniana que participou em concursos de beleza, passeando-se em fato de banho à frente dos olhos de milhões de homens (só para o desfile de Miss Mundo houve 2200 telespectadores), permitiu-lhe uma experiência directa do que são os atentados às liberdades no mundo de hoje. Porquê os desfiles? Porque a visibilidade da sua participação teve como preço as críticas dos sectores conservadores da comunidade iraniana no Canadá, as ameaças de fundamentalistas islâmicos e mensagens de apoio de jovens iranianos que lhe permitiram ter uma noção da limitação das liberdades e da repressão das mulheres no seu país de origem.
A campanha que deu notoriedade a Nazanin foi porém a campanha para libertar Nazanin. Outra Nazanin, Nazanin Mahabad Fatehi, uma jovem iraniana de 17 anos condenada à morte por enforcamento a 3 de Janeiro de 2006 por ter apunhalado um dos três homens que a tentaram violar a ela e a uma sobrinha de 15 anos, num parque de Karaj, um subúrbio de Teerão.
Nazanin Afshin-Jam iniciou uma campanha pela sua libertação que incluiu o lançamento de uma petição que recolheu mais de 350.000 assinaturas, a produção de um documentário (The Tale of Two Nazanins), contínuas acções públicas e intervenções nos media e uma actividade de lobbying junto das autoridades iranianas e das Nações Unidas. A campanha pela libertação de Nazanin conseguiu mobilizar a Amnesty International, o Parlamento canadiano, a União Europeia e levou as autoridades judiciais iranianas a rever o caso, suspender a condenação e realizar um novo julgamento que se saldou por uma absolvição, em Janeiro passado.
Mas Nazanin Afshin-Jam
não parou aqui. Lançou a campanha Stop Child Executions Campaign (www.stopchildexecutions.com) que tenta anular
as condenações à morte de mais de 20 menores que esperam a execução nas cadeias de Teerão
e mudar as leis iranianas, de forma a pôr fim à execução de menores. A lista dos crimes dos que foram executados nos últimos anos inclui actos como "atentados contra a castidade" ou dar aulas de religião Baha"i.
A acção de Nazanin Afshin-Jam no caso de Nazanin Fatehi foi distinguida com o Prémio Herói dos Direitos Humanos, atribuído pela organização Artists for Human Rights, dirigida pela actriz Anne Archer.
Nazanin Afshin-Jam também provoca críticas. Há quem diga que as suas simpatias políticas estão do lado de Reza Pahlavi, o filho do último xá do Irão, e que os seus verdadeiros motivos seriam a reinstauração da monarquia no país ou que a sua actividade humanitária é apenas uma forma de promoção pessoal. Mesmo que seja assim, se essa promoção continuar a defender os direitos humanos e a salvar vidas, parece um tipo de promoção totalmente louvável.
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