por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 7 de Novembro de 2006
Crónica 39/2006
O paradigma vigente no mundo da publicidade é o do "marketing de interrupção"
Já estamos de tal forma habituados que nem falamos disso, mas uma das características mais importantes da Web é o facto de a rede não enviar informação para ninguém que não a tenha previamente pedido. Para aceder a um site temos de escrever o seu endereço ou de clicar num link. Só depois o site envia para o nosso computador a página que pedimos. A expressão técnica para isto é tecnologia "pull" (puxar): para obter a informação que queremos é preciso "puxá-la" para o nosso computador.
A tecnologia "pull" é o oposto da tecnologia "push", que consiste em "empurrar" a informação para os clientes. A TV ou a rádio são exemplos clássicos de tecnologia "push". Toda a difusão é "push" (radiodifusão, teledifusão), ainda que isso não signifique que o utilizador seja obrigado a consumir aquilo que é empurrado para cima dele. De entre a oferta que é difundida, o consumidor pode escolher o que quer, mas é evidente que o poder de escolha que é entregue ao utilizador da Web é infinitamente maior.
É por isto que dizemos que na Web se "disponibiliza" informação (que fica quieta num servidor à espera de ser chamada pelos interessados), enquanto nos outros meios se diz que se "distribui" ou se "difunde" informação.
É, entre outros factores, a lógica "pull" da web que permite que todos sejamos editores: como não se gasta energia para empurrar a informação para todo o universo de utilizadores possíveis (à espera que um deles a use), como basta escrever um texto e depositá-lo num servidor, ficando o "custo do transporte" do lado do consumidor, isso facilita a multiplicação de produtores de informação.
Se há um domínio onde a lógica predominante continua a ser a de empurrar o produto para a frente dos olhos do consumidor, não só quando ele não o pede mas mesmo quando ele expressamente não o deseja, é o mundo da publicidade.
O paradigma vigente no mundo da publicidade é o do "marketing de interrupção": se queremos ver um filme na televisão, interrompem-nos o filme com anúncios; se queremos ouvir um debate na rádio, obrigam-nos a ouvir um ror de anúncios; se queremos jantar, telefonam-nos para nos convencer a mudar de banco.
Poder-se-ia definir a publicidade como a arte de obrigar o consumidor a ver algo que não quer, para o convencer a comprar algo de que não precisa. E o verdadeiro êxito consiste em forçar um cidadão a ver um anúncio o número de vezes suficiente para o levar a vomitar.
Esta violação da vontade do cidadão é alegremente tolerada com a desculpa de que se trata "da economia" e o argumento totalitário de que, se alguém não quer ver publicidade, pode não ver televisão, não ouvir rádio, nem ler jornais, não ir ao cinema e andar pela rua de olhos fechados.
O advento da Internet fez sonhar um mundo diferente: um mundo onde a publicidade passasse também a seguir a lógica "pull" e pudesse ser apresentada apenas a quem a pedisse. Isto faz tanto mais sentido quanto os consumidores gostam de publicidade (quando é bem feita), precisam dela e usam-na para os ajudar a tomar decisões de compra. A única coisa que gostariam de dispensar é a agressão, não a publicidade. Quem quer comprar um carro não dispensa os anúncios de carros e quem se interessa por tecnologia (mesmo que não vá comprar um computador) folheia com prazer e proveito os anúncios de informática. A promessa de uma publicidade civilizada, porém, está ainda por cumprir. A publicidade online está a ganhar terreno, crescendo a bom ritmo, mas, apesar da tecnologia permitir formas inteligentes de promoção de bens e serviços, as fórmulas mais usadas repetem as receitas agressivas e pouco interessantes dos outros suportes e o "permission marketing" (onde se pergunta aos clientes que publicidade querem receber) é ainda uma miragem. Mas, da mesma maneira que a Web representou uma revolução, pelo poder que deu aos consumidores de informação, há uma revolução a ganhar para os anunciantes que comecem a tratar os consumidores como seres pensantes.
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