por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 6 de Junho de 2006
Crónica 21/2006
A esmagadora maioria dos pais não conhece a esmagadora maioria dos professores dos seus filhos.
A avaliação do desempenho dos professores por parte dos pais dos alunos, que se tornou a medida emblemática do novo regime da carreira docente do ensino básico e secundário, suscitou um compreensível desagrado por parte da classe docente.
De facto, a medida faz sentido para aqueles pais que vemos nalgumas sitcoms americanas e em mais sítio nenhum, que tomam o pequeno-almoço em conjunto com o rancho de filhos na cozinha, todos tagarelando alegremente em torno dos corn flakes, na enorme mesa ao pé da janela que dá para o relvado, por onde entra a rodos o sol que se reflecte no frasco de mel, enquanto discutem as aulas que cada um vai ter nessa manhã e combinam com o filha mais velha a escolha do material que ela vai usar no seu projecto de ciência. Estes pais, que tratam todos os professores dos filhos pelo nome próprio e até conhecem a fundo os seus problemas sentimentais, que fazem com as suas próprias mãos o guarda-roupa para a peça da escola, os bolos para a festa de entrega dos diplomas e que no fim-de-semana fazem voluntariado a encadernar os livros da biblioteca escolar, acompanham de facto a vida da escola por dentro e por fora, e podem avaliar de que forma cada professor contribui para a evolução pessoal dos seus rebentos. Para mais, vivem em pequenas cidades ou bairros residenciais harmoniosos, de cuja comunidade os professores também fazem parte, o que torna particularmente fácil a troca de informação e a comunhão de sentimentos.
Para os pais das sitcoms, tudo seria fácil. O problema é que os pais portugueses não vivem numa sitcom e, pelo contrário, na sua esmagadora maioria não conhecem a esmagadora maioria dos professores dos seus filhos, conhecem mal a escola que eles frequentam e muito menos conhecem as matérias que estes aprendem e a forma como elas são ministradas.
É verdade que a proposta do Governo não obriga os pais a avaliar os professores e apenas diz que essa possibilidade lhes será facultada, sendo razoável imaginar que apenas os pais mais conhecedores dos professores se atreverão a fazê-lo, mas a proposta é triplamente infeliz porque concede a um grupo um poder que não se baseia em nenhuma competência específica, porque admite o princípio da avaliação sem critério e porque dá aos pais uma falsa sensação de participação na educação dos seus filhos.
No melhor dos casos, os pais conhecem os professores dos seus filhos através da apreciação que estes fazem daqueles. Seria portanto mais justo dar aos alunos a capacidade de avaliar os seus professores (o que seria útil, no âmbito de um exercício de reflexão de cada escola). No pior dos casos, os pais conhecem os professores apenas através das notas que estes dão aos seus filhos – e, nesse caso, essas notas são indicador suficiente para uma análise de eventuais problemas.
É verdade que há pais envolvidos na vida escolar e cuja opinião sobre os professores tem qualidade e poderia ajudar a escola a melhorar? É verdade, mas a opinião desses (os pais militantes, os pais das associações) a escola já a conhece e já a toma ou deve tomar em conta na sua actividade. Um Livro de Reclamações e de Sugestões em cada escola seria mais útil para aproveitar a boa-vontade destes pais que uma avaliação de professores.
O que os pais poderiam fazer – porque disso têm um maior conhecimento que de cada professor individualmente e porque disso poderia nascer uma maior consciência da necessidade do seu envolvimento na vida da escola - seria uma avaliação das escolas dos seus filhos. O preenchimento de um inquérito sobre níveis de satisfação em vários domínios (incluindo a qualidade geral dos professores) seria certamente muito útil, senão para avaliar a qualidade absoluta, pelo menos para avaliar a percepção dos pais e a evolução da sua satisfação com o sistema.
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