por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 20 de Dezembro de 2005
Crónica 39/2005
Não é com mais exames que se formam melhores cidadãos: é com melhor ensino
Um leitor entusiasta entendeu concluir da minha crónica anterior que eu defenderia o fim de todos os exames e até que deixasse de haver credenciação para os médicos e para outros profissionais. A análise leva longe de mais as minhas palavras. Não defendo nem defendi o fim de todos os exames. Penso que há muitos exames indispensáveis, e que há outros que não o são. Mas não acredito que os exames sejam uma panaceia para o ensino nem que sejam “o melhor truque” para convencer os alunos a aprender ou o melhor meio para os obrigar. E considero que “estudar para o exame” é das noções mais perversas que o sistema escolar produz.
O tema da crónica, como se dizia nas primeiras linhas, era o exame de português de saída do ensino secundário para os estudantes para quem a cadeira não faz parte das disciplinas nucleares. Não estava em causa nem em discussão outra coisa e vale a pena discutir o que está em discussão.
Para ser mais claro: discutia-se se os estudantes que vão para engenharia devem ter, à saída do ensino secundário, um exame de português (a existência da disciplina não estava em causa) e não se os candidatos a filologia românica devem ter, à entrada da Universidade, um exame de português.
Defendo que não é criando um exame de português para todos os cidadãos que se garante o seu domínio da língua, como não é criando um exame de inovação que se garante a inovação, como não é criando um exame de cultura geral que se aumenta a cultura geral. Infelizmente. Caso contrário seria fácil mudar a face do país propondo um exame de Desenvolvimento e Bem-estar no final do ensino secundário. E exames de Condução Prudente, de Comportamento Cívico, de Alimentação Saudável, de Desenvolvimento Sustentável, de Solidariedade, etc. Isto não quer dizer que essas matérias não possam ser ensinadas – podem... mas só até certo ponto. Se o que se pretende é transmitir conhecimentos de cariz técnico sobre uma dada área e medir a sua aquisição, o exame pode ser um meio. Mas se se pretende fornecer competências que se traduzam numa atitude cultural diferente, é evidente que um exame não é o melhor meio de garantir essas competências nem essa atitude – como a própria existência de uma disciplina pode não o ser!
Há matérias que ganham em ser disseminadas por toda a prática escolar - e considero que o português é uma delas, porque está de facto em todas as matérias. O português deve fazer parte, não de forma vaga mas formalmente, de todo o ensino (como o Civismo, ou o Desenvolvimento Sustentável). E isto para além de se exigir, para quem se dedica ao estudo técnico da língua ou da literatura, as respectivas disciplinas específicas.
De uma forma geral, as questões são diferentes (quer quanto à função quer quanto à eficácia dos exames) quando se trata de disciplinas nucleares de uma formação técnica ou de formação para a cidadania. Não é com mais exames que se formam melhores cidadãos: é com melhor ensino. O que significa que se exige uma escola que seja toda ela motivadora, exigente e formadora.
Participar num jornal escolar, na concepção de um site na Internet, na organização de colóquios ou num clube de rádio pode ser muito mais formador (em termos de português!) para um estudante que pretende dedicar-se a uma área científica do que fazer um exame de Português. Porque as primeiras actividades podem ser entusiasmantes e a segunda ser sentida como uma perda de tempo, desprovida de sentido.
Há competências de cariz genérico que devem estar em toda a prática escolar e defender que estejam apenas numa disciplina fornece muitas vezes o álibi para que não estejam em lado nenhum.
Os exames podem constituir uma forma de avaliar o sistema de ensino, a qualidade de uma escola ou o ensino de uma disciplina (como tem defendido Guilherme Valente, que também reagiu ao meu texto da semana passada) mas para isso não é necessário que todos os alunos os façam. Além de que, para cumprir esta função, tem mais sentido que os exames sejam feitos à entrada da Universidade por aqueles para quem a disciplina é nuclear que à saída do ensino secundário por aqueles para quem a disciplina tem um interesse residual.
É evidente que os exames são fáceis de fazer e até de melhorar, mas melhorar o ensino de forma substantiva é um combate mais importante.
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