terça-feira, dezembro 13, 2005

Exames

por José Vítor Malheiros

Texto publicado no jornal Público a 13 de Dezembro de 2005
Crónica 38/2005

Não é por querermos que os nossos estudantes sejam criativos e inovadores que lhes devemos propor um exame de inovação

O anúncio da intenção de que os exames de Português e Filosofia no final do ensino secundário deixem de ser obrigatórios em certos cursos deu origem a uma vaga de protestos de vários quadrantes. Os críticos consideraram em geral que se tratava de uma medida de redução da exigência do ensino ou de uma verdadeira admissão de derrota dos educadores (quando não de uma maquiavélica medida de promoção do analfabetismo).

O que é surpreendente nestas críticas é que nos fazem descobrir pessoas que parecem acreditar genuinamente que os exames contribuem para melhorar a aprendizagem. Mais: que são a melhor ferramenta de educação. Na realidade, o próprio presidente da Associação de Professores de Português, a propósito da proposta agora em discussão, lembrou que “está provado que os exames não promovem a qualidade das aprendizagens” e que o importante era que a disciplina continuasse a ser leccionada em todos os cursos.

A polémica suscita algumas questões: será que alguém pensa que, pelo facto de os exames de Filosofia terem sido obrigatórios durante tantos anos, os alunos portugueses conhecem melhor a história das ideias que os de outras nacionalidades? Ou que estruturam melhor o pensamento e raciocinam com mais rigor e profundidade?

É fácil defender o ensino obrigatório de Filosofia em termos ideais, principalmente se imaginarmos que todos os estudantes vão ter Sócrates como professor (o de Atenas, não o de S. Bento). Mas a verdade é que Sócrates não está disponível e os resultados esperados ressentem-se disso.

A língua é o primeiro instrumento de comunicação e cooperação e o seu domínio é requerido em praticamente todas as actividades humanas. Mas o que é duvidoso, precisamente por isso, é que seja através de um exame que se adquirem as capacidades necessárias de domínio da língua.

O que esperamos dos alunos que acabam o secundário? Queremos que saibam expor as suas ideias e os seus sentimentos por escrito e oralmente, que saibam fazer uma apresentação de um trabalho, que saibam argumentar e desmontar os argumentos dos outros, que saibam ler um texto (e o subtexto) e discorrer sobre ele. Que isto possa ser incentivado por um exame é duvidoso e é mesmo duvidoso que esteja a ser ensinado durante as aulas de Português – se tomarmos como exemplo as competências comunicacionais dos estudantes universitários.

Que estas competências são importantes para as pessoas, para a sua vida profissional e para a produtividade nacional é claríssimo (“Quem fala mal, pensa mal e vive mal”, diz Nanni Moretti em “Palombella Rossa”), mas é igualmente claro que elas têm de ser desenvolvidas por todo o sistema de ensino (e não, não é verdade que seja assim para tudo). Se os nossos estudantes do secundário fossem incentivados (ou obrigados) a escrever, a falar em público, a realizar debates em todas as (ou nalgumas das) disciplinas, certamente que isso iria melhorar o seu domínio da língua de forma muito mais eficaz que o famoso exame. Mas é claro que aquela abordagem daria muito mais trabalho.

A verdade é que existem matérias que, por muito importantes que sejam certos formalismos, se podem ensinar com vantagem num contexto menos curricular e mais horizontal. Para dar um exemplo, não é por querermos que os nossos estudantes sejam criativos e inovadores que lhes devemos propor um exame de inovação – é mais eficaz que o meio onde estudem incentive a inovação.

Posto tudo isto, acontece que não tenho uma opinião definitiva sobre os exames de português – mas o conservadorismo e a linearidade das opiniões que os defendem não convence ninguém da sua conveniência.

É verdade que a política nos habituou a um nível de discussão sub-óptimo. Mas não é aceitável (muito menos no domínio da educação) que os argumentos rocem com tanta frequência o boçal (“Ah sim? Querem que sejamos todos analfabetos?”) em vez de tentar esgrimir verdadeiras razões, com as quais poderíamos ou não concordar mas que seriam certamente iluminadoras.

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