por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 4 de Outubro de 2005
Crónica 28/2005
Para sabermos se podemos voltar a ir às Amoreiras sem mergulhar numa operação de limpeza racial, resta esperar a atitude final da Mundicenter.
Em declarações ao Público, no âmbito de um trabalho do jornalista Ricardo Dias Felner, publicado a propósito do vigésimo aniversário do Centro Comercial das Amoreiras, a sua directora de marketing, Maria Galvão Sousa, refere-se à descida do número de frequentadores do centro para explicar que não o considera preocupante e acrescenta que ele teve mesmo um lado positivo: traduziu-se no desaparecimento dos frequentadores “de cor”.
Diz Maria Galvão Sousa: "Nós tínhamos pessoas de cor - é chato dizer isto, e eu não tenho nada contra as pessoas de cor - e deixámos de ter. Portanto, esta quebra de três por cento até foi bem vinda".
Se se desse o caso de haver frequentadores “de cor” que provocassem desacatos e se Maria Galvão Sousa escolhesse referir a sua cor – isso seria criticável e inaceitável por si. Mas, neste caso, não há referência a quaisquer problemas que tenham existido com algum tipo de frequentadores, mas apenas à cor de alguns. É isso que incomoda Maria Galvão Sousa.
Porque é que seria racista referir a cor da pele do autor de um desacato (se fosse esse o caso)? Porque referir a cor de forma selectiva, como acontece com frequência nos “faits divers”, alimenta a ideia de que apenas as pessoas de pele escura cometem desacatos ou de que os cometem com mais frequência que os outros. As notícias nunca dizem “Branco assalta bomba de gasolina” ou “Português ataca idosa no metro”, mas sim, criando e alimentando o estereótipo racista, “Negro assalta loja” ou “Ucraniano agride colega”.
Na sequência das declarações de Maria Galvão Sousa, levantou-se um coro de protestos em blogs e fóruns da Internet e em círculos privados. O coro foi demasiado discreto para a enormidade que lhe deu origem, mas Portugal é o país dos brandos protestos. Não houve manifestações ou piquetes à frente das Amoreiras (como seria normal que tivesse havido), nem petições e queixas às autoridades (como deveria ter havido), nem uma onda de recolha de depoimentos indignados pela televisão (como teria acontecido se as declarações dissessem respeito a gente do Porto ou apoiantes de um clube de futebol).
Apesar disso, a Mundicenter, empresa proprietária do Amoreiras (assim como dos centros comerciais Odivelas Parque, Oeiras Parque, Braga Parque e Olivais Shopping Center), entendeu que as declarações de Maria Galvão Sousa eram deploráveis e fez publicar um comunicado onde garantem que elas vão contra “a gestão, cultura e missão da Mundicenter”, onde pede desculpa por elas e onde garante ir tomar medidas para que tais situações não se repitam. Para mais, segundo a agência de comunicação da Mundicenter, Maria Galvão Sousa foi “afastada das suas funções anteriores” e “não possui neste momento quaisquer novas funções” na empresa.
O incidente parece sanado mas, antes que ele se deva considerar encerrado, não podemos deixar de fazer algumas perguntas:
- Como se compreende que alguém que pensa (e fala) como Maria Galvão Sousa chegue a um lugar de direcção– para mais quando as suas convicções humanas vão frontalmente contra “a gestão, cultura e missão” do seu empregador?
- Como se compreende que esta mulher seja uma especialista de marketing - aquela área onde se aprende a fazer tudo para dar uma boa imagem e para proporcionar satisfação aos clientes?
- Que medidas terá tomado Maria Galvão Sousa para atingir a brancura das Amoreiras, que sabemos hoje que era um dos seus desejos?
Para sabermos se podemos voltar a ir às Amoreiras sem mergulhar numa operação de limpeza racial, resta esperar a atitude final da Mundicenter. É que Maria Galvão Sousa está afastada das suas funções de responsável de marketing, mas há pessoas que são afastadas para fora, outras para baixo, outras para o lado e outras até para cima. Por outro lado, se não for possível despedir alguém com justa causa por defender os preconceitos mais geradores de ódio do mundo, há certamente algo a alterar nas leis laborais.
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