por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 18 de Outubro de 2005
Crónica 30/2005
É bom não esquecer que há quem tenha de viver sob as regras do sítio das bananas em que a Madeira se transformou.
As eleições autárquicas deram origem, como era imperativo, a uma catadupa de reflexões sobre o populismo, o caciquismo, a personalização do poder local, os riscos das candidaturas independentes e a necessidade de alterar a lei eleitoral autárquica de forma a evitar a candidatura e eleição de quem não cumpra as suas “obrigações perante a justiça” – uma fórmula hábil do PSD, que não fere a presunção de inocência.
O grupo parlamentar do Partido Socialista, num debate na Assembleia da República, afirmou mesmo que "alguns agentes do poder local constituem um factor de desconfiança nas instituições" e considerou que estávamos a assistir "à emergência de um populismo autoritário que provoca o Estado de direito".
Estas preocupações são evidentemente legítimas e importantes e temos de seguir atentamente o que sairá delas. Só é estranho que elas surjam na sequência da eleição de indivíduos que são objecto de suspeitas de corrupção e que não tenham sido desencadeadas pelas ameaças, pressões e práticas antidemocráticas do presidente do Governo Regional da Madeira durante a campanha eleitoral para as mesmas eleições autárquicas.
É sabido que Alberto João Jardim, devido a razões históricas, geográficas, políticas e histriónicas atingiu na prática um estatuto de inimputabilidade, mas a questão é demasiada séria para que se possa descartar com um sorriso. Se o personagem é cómico visto do lado de cá do mar, é bom não esquecer que, do lado de lá, há quem veja as suas liberdades coarctadas diariamente e que há quem tenha de viver sob as regras do sítio das bananas em que a Madeira se transformou (dizer República seria dizer demais).
Esta reflexão seria extemporânea se não se desse o caso de termos entrado em pré-pré-campanha para as presidenciais e se não víssemos começar já a alinhar-se os argumentos dos vários candidatos.
Acontece que, no regime semi-presidencial que nos rege, é duvidoso que o futuro Presidente da República possa fazer alguma coisa para melhorar a situação nacional na saúde, na educação ou mesmo na justiça ou na exclusão social – para além da emissão de piedosas mensagens. Mas há áreas que são da sua competência, como sejam a garantia da unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições democráticas (Artigo 120º).
É verdade ainda que, devido a razões históricas (o papão do separatismo), a nossa Constituição não escreve preto no branco no rol das competências do Presidente da República que ele pode demitir os Presidentes dos Governos Regionais – apesar de o permitir de forma praticamente discricionária em relação ao Primeiro-Ministro – e que o Estatuto Político Administrativo da Região Autónoma da Madeira apenas permite a dissolução dos órgãos de governo regional em caso de “prática de actos graves contrários à Constituição”.
Ou seja: Jorge Sampaio pôde demitir Santana Lopes por ele ser quem era (e fez bem) mas não pode demitir Alberto João Jardim por ele fazer o que faz (o que está mal).
Verificando-se uma situação de capacidade diminuída do Presidente da República no âmbito das Regiões Autónomas e verificando-se uma consabida situação de défice democrático na Madeira (a expressão terá passado de moda mas o défice não desapareceu) seria interessante saber o que pensam e o que propõem neste domínio os nossos candidatos.
É que “o regular funcionamento das instituições democráticas” não está de forma alguma garantido na Madeira e isso é, sem a menor sombra de dúvida, da responsabilidade do PR.
Para já, talvez seja possível, numa daquelas revisões constitucionais que estamos sempre a fazer, encontrar tempo para acrescentar ao artigo 133, relativo às competências do PR: “Demitir os presidentes dos Governos Regionais” e “Dissolver as Assembleias Legislativas Regionais das Regiões Autónomas” – de forma simétrica às suas competências em relação ao todo da República.
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