por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 21 de Agosto de 2001
Crónica x/2001
Há aspectos singulares na actual polémica sobre a alteração aos programas de Língua Portuguesa para o ensino secundário. Um deles é o facto de vermos uma quantidade de gente exaltada pelo facto de o estudo pormenorizado de "Os Lusíadas" ter passado do 10º para o 12º quando muitos destes mesmos críticos apenas tiveram direito à abordagem que se fazia, se faz e vai continuar a fazer no 9º ano, sem que isso lhes tivesse parecido alguma vez um crime de lesa-majestade. A verdade é que se vai dar mais Camões (lírico e épico) nas escolas secundárias do que se dava há 25 anos, ainda que ao ouvir os críticos se fique com a ideia oposta.
Outra singularidade é a contradição entre as preocupações manifestadas pela forma como se ensina literatura nas escolas secundárias — que afastaria os jovens dos clássicos em particular e da leitura em geral — e a preocupação pela retirada de alguns autores da lista de leituras obrigatórias.
Poder-se-ia pensar que aqueles que acreditam que a inclusão de um autor no programa oficial reduz de forma dramática as probabilidades de ele voltar a ser lido alguma vez na vida, veriam com bons olhos a sua retirada da lista obrigatória. No entanto, o coração tem razões que a razão não conhece e não é essa a reacção mais frequente.
A aprendizagem da Língua Portuguesa tem fins utilitários (compreender um texto; aprender a exprimir conceitos, sentimentos), culturais (compreender a história, a diversidade de olhares), artísticos (aprender a fruir, a criar) mas deve ter como objectivo principal a aquisição pelos jovens do gosto pela leitura. Não pelos clássicos, mas pela leitura. E, para isso, é muito mais importante o "como" do que o "quê". Decidir se um autor é ou não é obrigatório, se ele vai ter direito à leitura de duas páginas e a quarenta minutos de atenção por parte do professor tem uma importância muito menor do que saber o que pode fazer esse professor para fomentar o gosto pela leitura. A primeira coisa que pode fazer para fomentar esse gosto é pôr os alunos a ler. Ler realmente, romances ou poemas, seja de que tipo for. Para descobrir que a leitura pode ser emoção e prazer, riso, aventura, paixão, é preciso antes de mais começar a ler. Antes de gostar de Eça gosta-se de Robinson Crusoe ou mesmo de livros de cóbois. Quando a escola se preocupar em levar a leitura aos jovens em vez de "dar" autores servidos em excertos esquartejados, o seu trabalho estará meio feito.
Dizer que a escola destrói os autores e os transforma em cascas secas não é uma questão de opinião. Há autores que resistem ao tratamento (Camões é certamente um deles), mas são raros. Há alunos que gostam de Eça APESAR de terem "dado" Eça na escola, mas estes alunos também são raros. Há quem descubra a leitura na escola mas, por cada um destes, há dez que passam a identificar leitura com sacrifício e secura. É mais importante discutir isso que a composição da Lista. Se a Lista for um instrumento de obscurantismo será uma bênção e uma honra não constar dela.
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