por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 14 de Agosto de 2001
Crónica x/2001
É domingo à tarde. As faixas centrais da Avenida da Liberdade, em Lisboa, estão vazias. Deixando escorrer o olhar desde o Marquês de Pombal aos Restauradores, vê-se meia dúzia de passeantes que, em vez de caminhar pelo passeio, se aventuraram no alcatrão e avançam ao longo do lancil, tentando não fugir demasiado à sombra das árvores. Os calções, os bonés e o varrimento semicircular do olhar denunciam-nos como turistas. Lá em baixo, na placa central dos Restauradores, sob o sol, meia dúzia de miúdos ensaiam acrobacias de skate, envolvidos no ruído emitido por uma poderosa instalação sonora.
As áleas laterais estão atulhadas de carros e alguns autocarros, que avançam a passo lento.
A parte central da Avenida está (tem estado) fechada ao trânsito aos domingos no âmbito de uma iniciativa da Câmara Municipal de Lisboa chamada "Há vida na Avenida". A imagem da Avenida desmente o "slogan": quase não há vivalma na Avenida. De vez em quando passa pelo meio do alcatrão um ou dois ciclistas ou uma trotinete, um casal empurra uma criança num carrinho de pedais ao longo do corredor do Bus, mas é tudo. Não há nesta Avenida mais vida do que num domingo normal, quando o trânsito automóvel está aberto e os autocarros da Carris passam galhardamente a 80 quilómetros à hora avenida abaixo e os carros aproveitam, para evitar o desperdício de um cruzamento vazio, aqueles primeiros três segundos de sinal vermelho em que os outros carros ainda não se atreveram a arrancar.
Todas as entradas na parte central da Avenida estão devidamente fechadas, com barreiras de plástico amarelas, fitas de plástico e polícias postados em todos os cruzamentos, não vá uma manifestação de camionistas querer entrar à força naqueles dois quilómetros reservados àquele cidadão australiano que sobe o alcatroado, ou tentar roubar uma das barreiras amarelas.
É verdade que há tão poucas ideias nesta Câmara que custa criticar quando aparece uma, mas a desproporção entre o custo e o benefício desta é descomunal. É possível que a ideia tenha tido alguma generosidade, querido dar a cidade a fruir aos seus cidadãos, dar lugar aos peões, etc. Mas a forma de a pôr em prática é tão ineficiente que seria mais inteligente dar-lhe um fim rápido. É verdade que a Câmara tentou organizar algumas actividades de animação de rua, mas foram tão pindéricas que é mais piedoso ignorá-las.
A preocupação da autarquia tem de ser uma estratégia de desenvolvimento sustentável e não a táctica das medidas de emergência. A Avenida não é um bom lugar para esta ideia porque é demasiado importante como artéria rodoviária, mesmo aos domingos; porque é a subir; porque não tem lojas abertas; porque quase não tem cafés; porque não tem equipamentos; porque não tem a beleza e a frescura que um local ao pé do rio (por exemplo) pode ter; porque não é um local de passeio habitual dos lisboetas; e, finalmente, porque a animação da cidade deve ser uma prática que embebe toda a actividade da autarquia e não pode ser concebida à maneira de uma táctica de guerrilha urbana, que obriga a cortar as ruas principais.
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