por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 12 de Junho de 2001
Crónica x/2001
Não se consegue lamentar verdadeiramente a morte de alguém como Timothy McVeigh.
O homem que foi ontem executado nos EUA cometeu um acto de violência cega, longa e friamente planeado, que vitimou um enorme número de pessoas, que eram inocentes mesmo do ponto de vista do próprio assassino. Veigh executou o seu atentado como um gesto de terrorismo contra o Estado americano, por razões de puro delírio, apenas para mostrar que era capaz de inflingir perdas e espalhar o medo no seio do seu inimigo, e nunca mostrou remorsos pelo seu acto. As crianças que morreram na explosão foram consideradas por McVeigh como "danos laterais", lamentáveis mas negligenciáveis, um pequeno preço a pagar pelo êxito de uma justa "acção de guerra".
Não se consegue lamentar verdadeiramente a morte de alguém como Timothy McVeigh. E é verdade que, para muitos americanos, o mundo até pode parecer um sítio mais seguro depois da sua morte.
Mas, se não se pode lamentar a morte deste homem, é inevitável que lamentemos o facto de ela ter ocorrido às mãos de um Estado que se proclama defensor dos direitos humanos.
Uma execução é um acto de barbárie. Que a morte de um homem seja causada por outro pode compreender-se em certas circunstâncias — não é difícil imaginar alguma em que qualquer um de nós o faria — mas, que essa morte seja planeada e executada a sangue-frio, é um acto da mais nauseante abjecção.
Ao dar a sua morte como espectáculo ao mundo a pretexto de transparência na administração da justiça (é pouco relevante que a execução não tenha sido mostrada), as autoridades e os media tornaram-nos espectadores e, nessa medida, participantes e cúmplices do horror, da banalização do mal. E isso diminui-nos.
Imaginar que uma execução (ou mil) possa de alguma forma reduzir o clima de violência que se vive num país é não só irracional como desmentido pelos factos. Tal como Waco foi o detonador da loucura de McVeigh, a sua morte será uma razão para outros, alimentando o ciclo de violência do "american way of death".
Os Estados Unidos são um país violento porque são sede das mais violentas injustiças sociais que existem no mundo e porque mantêm e alimentam um vivo culto da violência e do direito do mais forte em todas as suas instituições — da justiça à saúde, do entretenimento à economia. Um culto de violência banalizado, exportado para todo o mundo e protagonizado pelo Estado, que ontem nos ofereceu o mais obsceno espectáculo que um país pode oferecer: um assassinato travestido de justiça.
A Justiça de uma sociedade não pode ser outro nome para vingança. A justiça moderna define penas que têm um triplo objectivo: castigar, dissuadir e reabilitar. A pena de morte castiga, mas não dissuade (porque não tem pedagogia, porque não apresenta valores alternativos) e não só impossibilita a reabilitação como destrói a própria ideia de reabilitação. Tudo o que faz é colocar aquilo que devia ser a Justiça ao nível de um McVeigh.
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