por José Vítor Malheiros
Texto publicado no Público de 10 de Abril de 2001
Crónica x/2001
Domingo, depois do almoço. Um dia glorioso. O sítio é a esplanada do Jardim das Oliveiras, no Centro Cultural de Belém.
Um carro avança ao longo do CCB, frente ao rio, pelo caminho que dá acesso ao parque de estacionamento subterrâneo. Passa a entrada do parque e vai estacionar umas dezenas de metros mais à frente, duas rodas sobre o passeio, duas rodas no asfalto, na via de saída do parque de estacionamento para a Av. da Índia, a dois passos da escada de pedra que dá acesso ao terraço.
O Secretário de Estado da Defesa Nacional, Miranda Calha, sai do carro, indumentária informal de fim de semana, seguido de uns acompanhantes e dirige-se ao recinto do CCB. Uma tarde descontraída em Belém.
O parque de estacionamento do CCB está praticamente vazio. Não foi por falta de lugar que o condutor preferiu não estacionar o carro no parque. Nenhum dos seus passageiros dá mostras de dificuldades de locomoção que possam justificar o recurso ao lugar escolhido (nem este aliás parece mais acessível que o parque).
As pessoas que, do alto do terraço, olham o político sair do carro e o acompanham com o olhar enquanto ele se dirige à esplanada, não parecem nem surpreendidas nem chocadas com o lugar do estacionamento. Aqueles lugares costumam estar ocupados por carros cujos donos preferem poupar os 200 escudos do parque, ainda que as cilindradas levem a crer que o desembolso fosse suportável.
Afinal é domingo, está um lindo dia, e estacionar displicentemente em cima do passeio tem algo de desportivo — ainda que o carro não seja um todo-o terreno especialmente desenhado para galgar passeios mas sim um Volvo de proporções governamentais.
Sejamos justos e sistemáticos. É possível que o membro do Governo tenha estacionado em cima do passeio por várias razões:
a) o estacionamento é pago e a infracção de borla
b) um membro do Governo tem de mostrar que o poder é imune às críticas
c) pensava que o estacionamento em cima do passeio tinha passado a ser obrigatório desde a última revisão constitucional
d) nunca lhe disseram que isso dificulta a vida dos peões porque há vários anos que não fala com nenhum
e) tem a certeza de que nenhum agente da autoridade está a trabalhar neste dia glorioso e, se estiver, sabe que ele/ela nunca terá a irrazoabilidade de o multar
f) o ar domingueiro é apenas um disfarce. O membro do Governo está na realidade envolvido numa operação vital para a Defesa Nacional e é fundamental estacionar num local que lhe permita uma fuga rápida
g) as leis que regulam o estacionamento, os limites de velocidade ou o pagamento de impostos são apenas armadilhas para capturar os indivíduos sem iniciativa e Portugal precisa de iniciativa para vencer os desafios do futuro
h) o Secretário de Estado está-se borrifando para as normas de estacionamento, os peões, a lei, o bem-estar das pessoas que não usam um Volvo de proporções governamentais e para este teste de escolha múltipla.
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