por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 17 de Julho de 2012
Crónica 28/2012
Relvas (PIM!) não é apenas uma vergonha para o seu amigo Passos Coelho, para o PSD ou para o Governo
1. As escolas servem para adquirir competências de diversos tipos. Essas competências são diferentes conforme o nível de ensino e conforme a área científica específica em que a escola actua. Penso que as competências mais importantes que se adquirem na escola - do ensino básico ao superior - não são as competências técnicas específicas mas as competências genéricas. As funções mais importantes da escola são ensinar a ler, a escrever, a raciocinar, a falar e a discutir (ouvir, argumentar) - e isto não apenas no ensino básico, mas nos diferentes níveis de ensino, ainda que com crescentes profundidade e exigência. E claro que, para além destas competências genéricas básicas, há competências genéricas de mais alto nível: saber procurar e validar informação, saber estudar, analisar um problema, emitir e testar hipóteses, desenvolver um espírito crítico e aberto, trabalhar em equipa, apresentar uma ideia. E há, para além destas competências, valores que se espera que a escola transmita pelo exemplo e pela sua cultura: a curiosidade, o amor à verdade, a liberdade criativa, o rigor intelectual, a perseverança, a isenção, a equidade, a colaboração.
Claro que esperamos ainda que uma faculdade de medicina ensine os seus alunos a fazer uma apendicectomia e que uma escola de informática ensine a programar, mas tudo isto, por importante que seja, é apenas a última camada de um processo de onde não podem estar ausentes as etapas anteriores.
Uma parte dos saberes académicos que absorvemos ao longo da nossa vida são livrescos e podem ser encontrados em textos. Mas os mais importantes são aprendidos na prática, no próprio estudo, na investigação, nas discussões, nessa mistura de textos e de críticas, de exegese e de iconoclastia, de noites de estudo e de conversas de café, de tradição e de revolução, de atrevimento e de experiência que caracteriza as melhores universidades. Outros ainda são saberes práticos propriamente ditos que exigem laboratório e oficina - são gestos que apenas se podem aprender fazendo e que apenas se podem melhorar através do exercício, quer se trate de uma apendicectomia ou da execução de um plié.
E existem, para além de tudo isto, outros saberes, práticos ou não, que adquirimos na nossa vida extra-académica, profissional ou não.
O papel das escolas, seja qual for o seu tipo, é promover a aprendizagem. Não apenas ensinar, mas ensinar a aprender. E claro que as escolas devem também certificar competências, porque a sociedade precisa de receber garantias de que os estudantes que concluíram um dado ciclo de aprendizagem possuem certas competência e podem assumir determinadas responsabilidades.
Não só não me choca nada como me parece natural que a Universidade reconheça competências que um estudante adquiriu fora da academia - seja na sua vida profissional, seja na prática de um hobby.
Só que, não sendo as competências que a universidade oferece exclusivamente do domínio do “saber fazer”, não pode bastar ao candidato à equivalência mostrar o que sabe fazer ou o que fez - é também preciso mostrar o que sabe. Ou seja: é justo que uma escola de tapeçaria dê um diploma de artesão de tapetes de Arraiolos a alguém que mostre o seu saber fazendo um tapete à frente de um júri. Mas, se se tratar de uma disciplina de História da Tapeçaria, o mesmo saber prático já não deve merecer a mesma equivalência - porque o saber que se pretende que o estudante obtenha não é da mesma ordem.
Existe num curso universitário um saber que se obtém que não pode ser certificado pelo facto de se ter exercido um cargo. Ainda que esse mesmo saber possa ser comprovado por algum tipo de produção teórica ou trabalho prático. De facto, se um professor pode aprovar um aluno numa cadeira com base na produção de um trabalho de dez páginas, não há razão para não fazer a mesma coisa a alguém que, por exemplo, tenha escrito um livro na mesma área científica - ainda que não tenha frequentado nenhuma aula.
Posto isto, o caso de Relvas (PIM!) e da Lusófona é o exemplo de tudo o que um estudante e uma universidade não podem ser. Penso que poucos princípios bastam para que uma equivalência possa ser dada com lisura, mas entre eles deve constar a) a necessidade que seja o professor titular da cadeira a avaliar se o aluno possui as competências que todos os outros têm de demonstrar, b) o trabalho concreto avaliado c) a justificação, pelo mesmo professor, da avaliação feita
2. Relvas (PIM!) não é apenas uma vergonha para o seu amigo Passos Coelho, para o PSD ou para o Governo - o que me deixaria sem cuidado.
Relvas (PIM!) é um embaraço para os políticos e para a democracia que permite tais figurões. Esta é a única razão por que seria conveniente que alguém o raspasse rapidamente da sola do sapato antes que faça maiores estragos. (jvmalheiros@gmail.com)
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