por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 20 de Setembro de 2011
Crónica 38/2011
Texto publicado no jornal Público a 20 de Setembro de 2011
Crónica 38/2011
Ofereço um Bugatti Royale a todos os que tenham ficado surpreendidos com a dívida da Madeira
Apesar das dificuldades orçamentais, às vezes consegue-se fazer uma flor usando um pouco de imaginação e foi o que decidi fazer hoje. Esta semana, seguindo o exemplo de Oprah Winfrey, que gosta de oferecer automóveis aos espectadores do seu programa de televisão, esta crónica oferece um Bugatti Royale a cada um dos portugueses que tenha ficado genuinamente surpreendido com o buraco descoberto na Madeira.
Eu sei que a Bugatti só fabricou seis Royales, que o valor de cada um é de dezenas de milhões de euros, que pertencem a coleccionadores que não os querem vender mas, mesmo assim, esta é uma daquelas promessas que posso fazer com absoluta segurança.
Se tenho receio de que o prémio seja reclamado pelo Banco de Portugal ou pelo Tribunal de Contas? Pelo Presidente da República ou pelo primeiro-ministro? Por algum dirigente do PSD ou do PS? Pelo Procurador-Geral da República? Pela inspecção-geral de algum ministério? Por algum deputado da Assembleia da República ou da Assembleia Regional? Não tenho.
É verdade que há uma coisa que não se sabia a propósito do buraco de Jardim: ninguém sabia que a quantia relativa a 2008, 2009 e 2010 era de 1.113,3 milhões de euros e que só de 2011 já se encontraram mais 568 milhões de euros, mas isso também ainda não se sabe hoje. Estes são números provisórios que poderão ainda crescer ou – caso o escândalo nacional e internacional cresça de forma desmesurada – poderão ver o seu crescimento absorvido por operações de engenharia financeira criativa.
O que se sabe hoje é exactamente o que sempre se soube: que Alberto João Jardim se marimba para as leis da República, trata como coisa sua os bens públicos cuja gestão lhe foi confiada, escarnece da democracia, ri-se dos portugueses em geral e trata os madeirenses como seus vassalos. Mas, como ganha eleições, a sua prepotência e a sua gestão autoritária sempre foram vistos com um terno olhar benevolente pelo PSD - com escassas excepções, como alguns momentos de Marques Mendes. (Não se lembram da rigorosa Manuela Ferreira Leite, há dois anos, a elogiar a Madeira como o exemplo de "um bom governo do PSD"?)
Por outro lado, como Jardim é arruaceiro e malcriado, os sucessivos Governos sempre evitaram o confronto aberto. Será uma surpresa que, perante um governante sem escrúpulos, a quem se desculpam sempre os atropelos, se descubra que este continuou a prevaricar?
Há outra surpresa que não vai existir: o resultado das eleições regionais. Alvo da crítica nacional, os madeirenses vão voltar-se para Jardim como os cavalos que se refugiam na cavalariça em chamas. Jardim é tudo o que conhecem. Afinal, o homem endividou-se para fazer obra, que raio!
Há uma outra coisa de que podemos ter a certeza: o falso consenso de condenação a Jardim vai durar pouco. Pedro Passos Coelho vai continuar a disfarçar, dizendo que a dívida “não tem compreensão” (para não dizer que não tem justificação ou que é um caso de polícia, como devia), as instituições que deveriam ter controlado a Madeira vão dizer que chamaram a atenção, a oposição vai indignar-se mas o Rei Momo vai continuar a fazer das suas, inimputável, enquanto nós pagamos o bilhete para o ver actuar todos os dias. Aposto mais um Bugatti.
Agora que o buraco da Madeira tem um número há, porém, algo que importa saber - como importa saber, aliás, a propósito da República no seu todo: para onde foi o dinheiro? Que obras se fizeram com estes milhões que nenhuma das instituições de controlo e fiscalização deu pela sua presença? Qual a base legal dos acordos secretos com empreiteiros? Como foram escolhidas estas empresas? Será que agora, que vamos ter de pagar com o dinheiro que não temos, nos podem explicar aquilo que a lei e a decência exigiam que nos explicassem mesmo que houvesse dinheiro? (jvmalheiros@gmail.com)
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