terça-feira, abril 05, 2011

Os cinco pilares da discrição

por José Vítor Malheiros

Texto publicado no jornal Público a 5 de Abril de 2011
Crónica 14/2011


O PSD prefere reduzir a exposição pública das suas propostas, não se vão oxidar

 Há eleições legislativas onde se escolhe entre vários projectos para o país. E há eleições onde só se escolhe entre dois grupos de pessoas, sem sabermos muito bem o que qualquer um deles irá fazer com a soberania que lhes emprestamos. Isto não acontece porque os partidos não se dêem ao trabalho de escrever um programa. Mas todos sabemos que um programa é uma mera formalidade, da qual é fácil um Governo desvincular-se dizendo coisas como “é que a situação é pior do que nós pensávamos” ou “estamos de mãos atadas perante Bruxelas” ou “não me lembro nada de ter escrito isso” ou “esta é a única forma de resistir às pressões dos mercados” ou jurando que aquilo que se está a fazer, ainda que não pareça, é exactamente o que está no programa ou, pura e simplesmente, não dizendo nada.

Mesmo nas eleições legislativas, onde em teoria estamos a eleger deputados para um Parlamento e, indirectamente, os membros do futuro Governo, não fazemos a mínima ideia de quem vai estar de facto no Governo e muito menos sabemos a que compromissos se sentirão essas pessoas vinculadas.
É por isso que as eleições são sempre momentos de grande sofrimento para o eleitor, que tem de tentar adivinhar, com base nas micro-expressões dos candidatos, o que eles irão fazer de facto no Parlamento depois de eleitos e quem vão convidar para o Governo.
Neste momento, é evidente que o PSD pode ganhar as eleições. O problema é que o PSD é aquele partido da ideologia flexível, que acha sempre que a melhor solução (na Educação, na Saúde, na Economia ou na Cultura) é não fazer nada e deixar a mão invisível do mercado às apalpadelas até encontrar a melhor solução. Isto, enquanto se vai ajudando a mão invisível, vendendo a empresários compreensivos as empresas públicas com possibilidade de vir a dar lucros e se vão subindo as propinas da educação pública e as taxas moderadoras da saúde pública para valores que incentivem o uso dos serviços privados (aquilo a que no PSD se chama “liberdade de escolha”).
Apesar do embaraço da escolha que uma tal liberdade de princípios implica, com uma crise tão prolongada, que deu tempo ao PSD para profundas ruminações e congeminações, seria de esperar que o partido tivesse conseguido preparar um rascunho de um programa, umas listas de umas coisas, em traço grosso, só para dizer ao povo por que é que deve votar no PSD, como seria bom e diferente um Governo do PSD… essas coisas.
E, na semana passada, o Conselho Nacional do PSD lá levantou a ponta do véu, com a publicação dos cinco pilares da acção de um futuro executivo PSD. O problema é que os cinco pilares, apesar dos capitéis decorados com uma retórica contra “o actual paradigma estatizante”, são mais vagos que as brumas de Avalon.
Porque é que o PSD não foi mais claro? Mais concreto? Porque é que não consegue dizer o que fará no Governo? Não fará a mínima ideia? O PSD tinha uma boa razão para ser vago: não quer dar trunfos ao PS. Se o PSD dissesse qual é o seu programa, o PS podia criticá-lo, copiá-lo, adoptá-lo. Assim, secreto, o programa está protegido de críticas. Se não fosse cómico, dava vontade de chorar.
Seria de esperar que a demissão do Governo encontrasse o PSD com os motores já aquecidos, programa feito e Governo-sombra na calha, para tentar conquistar a confiança do povo. Mas eis que lhe salta o colchão de dentro do toucado. O PSD não quer que se saiba por onde vai andar a sua mão invisível e prefere apostar nesta “democracia discreta”, reduzindo a exposição pública das suas propostas, não se vão oxidar. A ideia é tão boa que dá vontade de perguntar por que não se hão-de fazer as eleições com a mesma discrição? Uma dúzia de pessoas numa sala, gente discreta, bem relacionada, advogados e gestores, todos do PSD… que bela democracia que podia ser. E a mão invisível, como ela se ia regalar. (jvmalheiros@gmail.com)

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