por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 5 de Janeiro de 2010
Crónica 1/2010
Department of Homeland Security ensina-lhe como deixar de se preocupar e passar a amar a bomba
Depois de, no passado dia de Natal, o nigeriano Abdul Farouk Abdul Mutallab ter tentado fazer explodir um avião da Northwest Airlines proveniente de Amesterdão, quando este se aproximava do aeroporto de Detroit, a Transportation Security Administration, a agência federal responsável pela segurança dos transportes nos EUA, que faz parte do famigerado Department of Homeland Security, decidiu emitir novos procedimentos que devem ser seguidos por todos os futuros bombistas, sejam eles ou não da Al-Qaeda, se quiserem passar despercebidos e ser bem sucedidos nos seus atentados.
Antes de mais, a Transportation Security Administration (TSA) alerta os candidatos a bombistas para o facto de que todos os passageiros que queiram entrar nos Estados Unidos e que sejam originários ou provenientes de 14 países (Nigéria, Paquistão, Iémen, Afeganistão, Líbia, Somália, Cuba, Irão, Sudão, Síria, Argélia, Líbano, Arábia Saudita e Iraque) vão passar a ser submetidos a uma revista corporal completa e a uma inspecção manual dos seus objectos pessoais.
Isto significa que, se a Al-Qaeda quiser que os seus bombistas passem despercebidos, deve ter o cuidado de os escolher entre cidadãos naturais de outros países, o que não será difícil. Para maior garantia, a TSA lembra que são os aviões que se dirigem aos Estados Unidos que são objecto de vigilância mais apertada e não aqueles que saem dos Estados Unidos, o que sugere que sejam estes os escolhidos como alvos de atentados bombistas. Uma das vantagens adicionais consiste no facto de os EUA serem um dos países do mundo onde é mais fácil comprar armas ou explosivos, tornando mais fácil o aprovisionamento dos terroristas.
A TSA avisa porém todos os futuros bombistas de que não vai difundir em detalhe os novos procedimentos anti-terroristas que devem ser seguidos pelas companhias aéreas - o que significa que poderá ser mais avisado para os futuros terroristas dedicar-se a atacar outros tipos de transporte, com posições menos destacadas na lista de prioridades da Homeland Security, mas não menos mediáticos nem menos mortíferos. O metropolitano, ferries, comboios e autocarros são possibilidades deixadas em aberto - mas deve ter-se em conta que a responsabilidade da TSA se resume aos transportes, podendo haver alternativas interessantes para os objectivos da Al-Qaeda noutros domínios de actividade.
No que diz respeito aos aviões, além das revistas corporais e da inspecção das bagagens pessoais dos suspeitos oriundos de certos países, os passageiros devem estar conscientes de que podem ser objecto de quaisquer outras medidas de caução imaginadas pelas companhias aéreas ou pelas tripulações dos aparelhos - sem restrições de qualquer tipo. Entre as que estão a ser adoptadas pelas companhias aéreas estão a obrigatoriedade de mostrar as duas mãos sempre que a tripulação o pedir (supõe-se que o pedido seja o clássico "mãos ao ar") ou de estar sentado durante a última hora de voo ou a proibição de usar a casa de banho - o que desaconselha vivamente qualquer diarreia, como um outro passageiro nigeriano já descobriu.
Todas estas medidas, adoptadas na sequência do tentado atentado do jovem nigeriano e da maléfica histeria crónica de Dick Cheney, poderão vir a ser ainda complementadas por outras até que a democracia americana se torne virtualmente indistinguível de um país fundamentalista muçulmano. Os hábitos serão diferentes, mas o grau de liberdade semelhante. É evidente que nenhuma dessas medidas serve absolutamente para nada senão para instalar uma falsa sensação de segurança ou uma verdadeira sensação de medo, mas Obama poderá dizer que não fraquejou na luta contra o terror. Por enquanto, só está a fraquejar na luta contra Cheney e o seu estilo ("tough, mean, dirty, nasty", segundo o próprio) de "garantir a segurança dos EUA". Aterrorizador. (jvmalheiros@gmail.com)
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