por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 24 de Junho de 2007
Em Cena 10/2007
"É o princípio dos "últimos". Sabem aquela sensação de fim de férias, quando de repente nos damos conta de que aquela vai ser a nossa última noite naquele lugar? Apercebemo-nos de que aquele é o último mergulho das férias, a última caminhada, o último crepe, o último verdadeiro café italiano, o último nascer do sol ou pôr do Sol que vemos daquele sítio..."
Esta é a nostálgica última entrada (outro "último") da astronauta Sunita Williams que aparece no diário de bordo da missão onde participou na Estação Espacial Internacional (ISS).
Americana, 41 anos, casada e sem filhos mas dona de um cão (hoje famoso nos EUA) chamado Gorby, Sunita Williams é comandante da Marinha dos EUA. É especialista de mergulho (já viveu durante nove dias numa estação submarina), é piloto de helicópteros de combate (quando se candidatou queria pilotar caças por causa do Top Gun), é astronauta desde Junho de 1998 e, desde esta missão, é detentora do recorde feminino de permanência no espaço, com 195 dias passados na ISS (e na ida e volta), contados de 9 de Dezembro até 22 de Junho último. Williams também tem o recorde feminino de passeios no espaço - em número de passeios e em horas de permanência total no espaço.
Durante a sua estadia na ISS, Williams fez o que fazem os astronautas: experiências científicas com materiais e com plantas, testes e manutenção de equipamento (desde computadores a canalizações), trabalho de construção da estação espacial, exercício físico, exames físicos e experiências médicas em si própria, registos de mil e uma coisas, manteve um detalhado diário de bordo, fez as limpezas quotidianas, escreveu mails, fez videoconferências com a família e com alunos de escolas, praticou o seu russo, dormiu e, pelo caminho, ensinou um dos cosmonautas russos seus companheiros a comer manteiga de amendoim com geleia. A viagem teve a sua quota-parte de problemas informáticos (o que pode ser bastante grave quando todos os sistemas de apoio à vida passam por estas máquinas) mas nada de excessivamente dramático, apesar de uma entrada no seu diário, inquietante para um terráqueo, referir o facto de a água estar a escassear e como seria bom quando chegasse água fresca a bordo da nave Progresso.
Williams (ou Suni, como lhe chamam os camaradas) gosta de correr. A corrida aparece em primeiro lugar nos "interesses recreativos" (sic) listados no currículo que aparece no site da NASA e, enquanto esteve no espaço, Suni correu. Todos os astronautas têm de correr e fazer muitos outros exercícios para reduzir a perda de massa muscular e de massa óssea que ocorre em situações de microgravidade, mas Sunita faz mais do que aquilo a que é obrigada. Suni corre e corre e corre.
Durante esta missão, Suni bateu outro recorde que deverá ficar na sua mão durante algum tempo e que vai marcar esta viagem na história: tornou-se na única astronauta a correr uma maratona no espaço. Uma verdadeira maratona, corrida a 16 de Abril passado, ao mesmo tempo que na Terra 24 mil corredores faziam a maratona de Boston, e que Sunita completou em 4 horas, 23 minutos e dez segundos. Sunita estava aliás oficialmente inscrita na maratona de Boston e recebeu, por e-mail, a camisola número 14 mil. Uma das curiosidades é que, durante a maratona de 42 quilómetros, Sunita, na sua passadeira a bordo da estação espacial, deu duas voltas à Terra e a cada passada deslocava-se quatro quilómetros, numa recriação tecnológica das botas de sete léguas. Atada à passadeira por cordas de bungee jumping, Sunita foi seguindo num ecrã de televisão colocado à sua frente os seus companheiros na maratona terrestre, que corriam 338 quilómetros mais abaixo. "Encorajar os miúdos a começar a fazer do exercício físico parte da sua vida" foi a razão dada por Sunita para a maratona, que exigiu à astronauta, durante um ano e meio, seguir um programa de preparação física muito mais exigente do que aquele que é proposto aos restantes astronautas.
Agora que pôs os pés na Terra Sunita tem outro sonho: ser a primeira mulher a fazer uma viagem à Lua Cheia que viu da janela da estação espacial.
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