terça-feira, junho 28, 2005

Lisboa baldia

por José Vítor Malheiros

Texto publicado no jornal Público a 28 de Junho de 2005
Crónica 22/2005

É evidente que quem possui um imóvel e não o utiliza deveria pagar uma taxa mais elevada de Imposto Municipal sobre Imóveis, de forma a desincentivar o seu abandono.


Uma das características da cidade de Lisboa que impressiona mais negativamente os estrangeiros é a quantidade de estaleiros desordenados, de casas e terrenos abandonados que se espalham pela cidade. Falo do ponto de vista dos estrangeiros e não do dos residentes porque os nativos adquirem a capacidade de ignorar selectivamente os traços desagradáveis que se tornaram constantes do habitat.

Em Lisboa podem ver-se terrenos abandonados e cheios de lixo nos locais mais selectos da cidade, das zonas de escritórios aos bairros residenciais, dos bairros antigos aos modernos, assim como palacetes abandonados nos pontos mais idílicos da cidade – que seria de esperar fossem disputadíssimos pelos munícipes endinheirados.

Na Junqueira há solares com vista para o Tejo a cair aos bocados e aqui mesmo, na esquina da rua Viriato (onde se situa o Público em Lisboa) com a rua Martens Ferrão, há um prédio em obras eternas que ocupa não apenas todo o passeio em frente mas uma das faixas de rodagem e mesmo a placa central destinada a estacionamento. Toda esta área está entaipada e este pedaço de via pública é usado como estaleiro, com um imenso prejuízo da circulação, da estética e dos direitos dos cidadãos em geral. Não sei se esta ocupação é legal mas, se é, não devia ser. E está longe de ser um caso único.

Nos casos mais banais, não existe uma invasão física do espaço público mas apenas uma intrusão visual: trata-se de prédios devolutos ou de descampados traduzidos em lixeiras, desfeando a cidade, cujos proprietários nem se dão ao trabalho de os entaipar e esperam placidamente que os preços subam o suficiente para aí construírem alguma coisa ou para os vender a alguém que continuará a espera.

Mesmo que estes imóveis desocupados sejam privados é evidente que há algo que a Câmara deve fazer – e não falo dos imóveis que ameaçam ruína ou sem condições de habitabilidade, onde existe uma capacidade de intervenção legal. A paisagem é algo que é de todos e não pode ser apropriada ou destruída em benefício de alguns. É evidente que quem possui um imóvel e não o utiliza devidamente (uma casa devoluta, por exemplo) deveria pagar uma taxa mais elevada de Imposto Municipal sobre Imóveis, de forma a incentivar a sua utilização e a desincentivar o seu abandono. É evidente que parece lícito que um proprietário espere uma melhor conjuntura para vender um imóvel, mas visto que isso é feito em prejuízo da comunidade - que tem, no mínimo, de suportar um espectáculo de degradação – é justo que seja vertida uma compensação à sociedade. Um imóvel é um meio de produção e a sociedade tem de incentivar o seu uso por parte do seu proprietário, pois esse uso produz riqueza e traz benefícios sociais. Em 1375, a Lei das Sesmarias obrigou os proprietários de terras a cultivá-las sob pena de expropriação. O princípio é justo.

Da mesma forma, a ocupação da via pública – com que as Câmaras em geral são tão complacentes – deveria ser fortemente taxada, de forma a constituir uma pressão para o encurtamento de obras (o que se traduz em menores incomodidades e numa aceleração da economia). A política fiscal é o instrumento mais eficaz para incentivar comportamentos positivos por parte dos munícipes e tem de ser usada como tal.

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