terça-feira, fevereiro 03, 2015

Tempo de Avançar tenta o caminho difícil da convergência

por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 3 de Fevereiro de 2015
Crónica 4/2015


O caminho da razoabilidade e da vontade de negociação é difícil de trilhar e muitas forças contribuem para o dificultar.


O movimento Tempo de Avançar, cuja convenção fundadora teve lugar este fim-de-semana em Lisboa (e do qual sou apoiante), merece alguma reflexão, não apenas por se tratar de um movimento de cidadãos que pretende constituir uma plataforma eleitoral que se irá apresentar às próximas eleições legislativas, nem por se apresentar como um movimento de esquerda que, sem abdicar da indignação e do protesto, coloca como questão identitária a sua vontade de contribuir para uma governação à esquerda, nem sequer por se tratar de um movimento que reúne de uma forma sui generis um partido político (Livre), uma associação política (Fórum Manifesto) e outras organizações de cidadãos sob uma mesma bandeira. O que penso que é especialmente particular no Tempo de Avançar é o seu posicionamento no espectro político português e as relações que pretende manter com os restantes partidos da esquerda.

Antes de mais, diga-se que o Tempo de Avançar foi constituído sob o signo e com o objectivo de alcançar uma convergência de esquerda, na senda de outras iniciativas como o Movimento 3D (que tentou, infrutiferamente, a convergência dos partidos e movimentos entre o PS e o PCP).

A ideia que está na base do Tempo de Avançar é de que Portugal precisa não apenas de um programa de esquerda mas de um governo de esquerda que consiga pô-lo em práctica, invertendo assim o caminho do empobrecimento, da crescente desigualdade e da degradação da democracia. Acontece porém que, no sector a que classicamente chamamos esquerda, encontramos um partido como o PS, onde se confundem ideologias e práticas de direita (política económica neoliberal) e de esquerda (defesa de algumas bandeiras do Estado social) numa amálgama difícil de classificar, e partidos como o Bloco de Esquerda e o PCP, que consideram que qualquer negociação com o PS é inútil e que qualquer cooperação com este no campo governativo poria em causa de forma fatal a sua pureza ideológica.

O Tempo de Avançar, por seu lado, entende que o diálogo com o PS é possível e necessário, como é possível e necessário com o BE e o PCP, e acredita que se deve tentar construir um compromisso em torno de uma base programática que possa ser aceite por estas organizações e ser a base de um futuro governo. Será um compromisso porque cada um dos partidos terá de ceder algo. Mas, como em todas as negociações, é possível ceder sem ceder no essencial, em nome de um bem maior: o fim de uma política colaboracionista que destrói o Estado e condena os cidadãos à pobreza e à dependência eterna.

A plataforma do Tempo de Avançar pode ser considerada optimista ou até ingénua, mas é clara. Só que, ao contrário de outros movimentos europeus que se situam também no campo antiausteritário, como o Syriza ou o Podemos, tem a característica de não ter definido como objectivo a sua eleição sobre as cinzas dos partidos existentes. Para o Tempo de Avançar, o tempo é ainda de colaboração e de discussão, de debate e construção. O Tempo de Avançar pensa que é possível construir uma solução de governo com as organizações de esquerda existentes e tenta construir com elas a plataforma comum da esquerda.

O Tempo de Avançar não possui um discurso antipartidos nem um discurso antipartidos de esquerda, apesar das razões que seria fácil encontrar, à direita e à esquerda, para o fazer. Pelo contrário.

Este caminho de razoabilidade e de vontade de negociação, porém, é difícil de trilhar e muitas forças contribuem para o dificultar. Uma delas é, desde já, a dificuldade de pugnar pela unidade com partidos com os quais se concorre no tabuleiro eleitoral e com quem se disputa, por vezes com violência, eleitores e influência. Por outro lado, a imensa insatisfação que todos vemos em tantos ex-apoiantes dos partidos (sim, é verdade, regista-se uma excepção para o PCP) e nos eleitores abstencionistas irá provavelmente aumentar se o Tempo de Avançar não conseguir dar um mínimo de consistência a esta ideia de um governo de esquerda e se não houver sinais por parte dos outros partidos de que ele é concretizável. O que acontece é que, numa circunstância de um descontentamento crescente e de um descrédito dos partidos de esquerda, não será possível ao Tempo de Avançar continuar a defender uma convergência impossível. Essa circunstância exigiria a esta plataforma a assunção de um protagonismo que o movimento se recusou até agora a assumir, com consequências de monta no espectro partidário. As consequências do êxito das iniciativas de convergência do Tempo de Avançar, caso ele se verifique, seriam também certamente, por outro lado, de enorme alcance.

O que chega para afirmar que o dia 31 de Janeiro de 2015 é uma data a assinalar na história política do nosso país.

jvmalheiros@gmail.com

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