por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 10 de Maio de 2011
Crónica 19/2011
Uma conferência de imprensa é um exercício de cidadania, onde alguém aceita ser questionado. Não uma arenga às massas.
Uma conferência de imprensa é algo com uma definição precisa: é um encontro que pode ser convocado por qualquer pessoa, onde essa pessoa convida os jornalistas a comparecer num dado local a uma dada hora e anuncia a sua disponibilidade para responder às suas perguntas, para ser gravada, filmada e fotografada.
Uma conferência de imprensa pode ser precedida (ou não) de uma declaração (improvisada ou lida) da pessoa que a convoca. Pode incluir (ou não) a distribuição de documentação aos jornalistas. Pode limitar (por razões de tempo) o número de perguntas dos jornalistas a que se irá responder - ainda que, neste caso, seja necessário definir uma gestão justa e transparente do tempo, de acordo com os jornalistas presentes.
O que uma conferência de imprensa não pode deixar de ter são perguntas dos jornalistas. Quando uma “conferência de imprensa” não admite perguntas dos jornalistas não é uma conferência de imprensa mas sim uma declaração ou uma arenga às massas.
Nos últimos dias, o número de “CdI sem perguntas” parece ter explodido, com o primeiro-ministro à frente de um extenso pelotão. A moda não é recente nem exclusiva da política - no futebol, a figura também é comum. Mas não é admissível. Não é admissível que se minta (admito que dizer isto no campo da política ou do futebol seja considerado ingénuo) anunciando uma conferência de imprensa que não o é - e que obriga a mobilizar para o local redactores que acabam por ficar limitados à conhecida função de pés-de-microfone. Mas, principalmente, não é admissível porque a democracia exige que os jornalistas questionem os poderes, interpelem os políticos, lhes exijam explicações, justificações, que os confrontem com outras informações, etc. e a aparição numa conferência de imprensa é, muitas vezes, a única oportunidade de interpelar os poderosos. Uma conferência de imprensa sem perguntas fica bem numa ditadura, mas é inadmissível numa democracia. Uma conferência de imprensa é um exercício de cidadania, onde uma pessoa se expõe ao questionamento dos cidadãos e se explica através da intermediação da imprensa.
Repare-se que o PM pode fazer as declarações ao país que quiser. Mas não deve é exigir para os seus tempos de antena uma moldura humana de jornalistas. E, se fizer questão, porque fica bem na televisão, pode sempre contratar figurantes. Ou colocar à sua volta figuras de cartão.
Pelo outro lado, os jornalistas não devem aceitar esta inaceitável limitação do seu direito e dever de informar, esta mordaça institucional que se vai tornando hábito, esta menorização do seu papel social, esta subserviência vergonhosa aos poderes. É por isso de saudar que o Sindicato dos Jornalistas tenha apelado ao boicote das CdI sem perguntas (tinyurl.com/65htfqo) - ainda que não faça sentido o seu excesso de zelo ao propor que nem sequer sejam publicadas “as declarações que não possam ser objecto de perguntas”.
O que seria verdadeiramente pedagógico seria que os directores dos órgãos de comunicação assumissem (colectivamente, essa palavra proibida) esta mesma posição em defesa da cidadania, da transparência da política e da dignificação do jornalismo. Será que podemos esperar isso deles? De alguns? De um só?
Da mesma forma, seria louvável que os jornalistas se negassem a continuar a entrevistar aquelas figuras infames que se tornaram conhecidas pelas suas tentativas de manipulação ou de limitação da liberdade de imprensa. Ainda há dias vi na televisão a pouco edificante cena de um jornalista de televisão, num directo, a pedir um comentário ao deputado do PS Ricardo Rodrigues (mais conhecido como “o Ricardo dos Gravadores”), como se tal personagem tivesse algo de credível ou relevante a transmitir ao país.
Não nos martelam nos ouvidos a toda a hora que o país tem de começar a funcionar melhor? Por que não começar pelo jornalismo? Nao tinha imensa graça? (jvmalheiros@gmail.com)
1 comentário:
CORNETEIROS E TAREFEIROS
Os jornalecos que por aí andam, os canais de televisão que por aí proliferam e os comentadores engavetados que por aí peroram nunca mais aprendem, perdão, nunca mais se libertam e assumem a nobreza da profissão. É confrangedor vê-los em todos os palcos onde os atrelam a enaltecer as qualidades farsantes e maleficamente calculadas de Sócrates, desvalorizando e camuflando os resultados catastróficos da governação de tal impostor.
Quanto a Passos Coelho, mais parecem um rebanho a responder aos assobios do dono que os domestica, na descoberta canina de uma indecisão, de um tiro ao lado ou de uma suposto incumprimento do líder do PSD. Ludibriadores encartados na tramóia, querem fazer de nós burros e para mal dos próprios e nossos pecados tentam fazer parecer Passos governante desta desgraça. E quando não pescam inventam. Quando é que esta cambada alivia o pesado rodapé Socretino que carregam, e nos expõem com seriedade e pudor as cambalhotas, inconsistência e malabarismos de tal manipulador?
Os supostos e raros Passistas convocados a jogo, caem imberbes na rasteira, não sabendo escolher campo, nem defender ou contra-atacar pelos flancos
"Não há festa nem festança onde não entre a Constança"
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