por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 10 de Fevereiro de 2010
Crónica 6/2010
Texto publicado no jornal Público a 10 de Fevereiro de 2010
Crónica 6/2010
O que o lobby das petrolíferas pretende é lançar a dúvida entre os cidadãos sobre o aquecimento global
Nos meses que antecederam a cimeira do clima de Copenhaga, em Dezembro último, um jornalista que escrevesse num jornal de alguma importância coisas como a) “o planeta está a aquecer” b) “o aquecimento do planeta pode provocar uma catástrofe climática” ou c) “o aquecimento do planeta é em grande medida de origem humana” arriscava-se a ser objecto de uma verdadeira barragem de mails onde essas ideias eram contestadas, classificadas como resultado de investigação errada ou fraudulenta, identificadas como fazendo parte de uma conspiração anticapitalista e onde eram fornecidos links para sites que contestavam o aquecimento global.
A operação era demasiado generalizada, demasiado sincronizada e demasiado organizada para ser fruto do acaso.
Era evidente que se tratava de uma operação de contra-informação global, estruturada e bem financiada. E, nos últimos meses, tem vindo a lume alguma informação sobre essa operação, referindo, por exemplo, o financiamento por parte de empresas como a ExxonMobil.
O objectivo destas operações não é apagar da mente dos cidadãos de todo o mundo o conhecimento que têm sobre o aquecimento global. O objectivo é apresentar o ponto de vista dos chamados “cépticos” como sendo tão válido como o ponto de vista consensual na comunidade científica, defendido pelo IPCC, e forçar os media a tratar ambas as perspectivas de uma forma “equilibrada”, de forma a lançar a dúvida entre os cidadãos e a reduzir o apoio político ao combate ao efeito de estufa.
É normal que existam cientistas honestos cépticos quanto ao aquecimento global e/ou às suas causas. Mas esse facto não invalida o imenso consenso científico que existe no mundo sobre o efeito de estufa nem o imenso consenso social sobre a conveniência de o combater. E isto independentemente do que se pense da maior ou menor correcção da atitude deste ou daquele investigador ou até da existência de erros nesta ou naquela investigação particular – que, a existirem, devem ser naturalmente corrigidos. Apesar disso, porém, as provas são inúmeras e esmagadoras.
O lobby da contra-informação, no entanto, tem aqui a seu favor dois pontos de peso. O primeiro é a atitude de abertura que é base da cultura científica, que leva os investigadores a considerar com seriedade qualquer argumento que contrarie o consenso, por heterodoxo que seja. O segundo é a atitude dos media, onde os jornalistas especializados escasseiam e são cada vez mais pressionados a produzir prosa a metro e onde a competência tende a ser substituída por uma atitude mais “distanciada” e “profissional” (e menos arriscada) e que muitas pessoas confundem com “balanced reporting”: citar A, citar B, lavar daí as suas mãos e deixar o leitor extrair as suas conclusões ou mergulhar na confusão total. É com base neste critério que há escolas e jornais que tratam o evolucionismo e o criacionismo como duas visões equivalentes do mundo. E o mesmo pode acontecer com o aquecimento global.
É evidente que não cabe aos media definir o que é a verdade científica do momento, mas o seu papel também não se pode resumir a citar as várias partes de uma discussão – principalmente quando essa discussão está viciada por interesses escondidos.
Os media devem produzir racionalidade e permitir que os cidadãos façam escolhas informadas – não contribuir para a cacofonia. Neste caso, a racionalidade passa por saber quem fala e quem paga a quem para dizer o quê. “Follow the money” sempre foi uma boa regra do jornalismo. (jvmalheiros@gmail.com)
Sem comentários:
Enviar um comentário