por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 13 de Outubro de 2009
Crónica x/2009
Texto publicado no jornal Público a 13 de Outubro de 2009
Crónica x/2009
Resta esperar que Obama saiba distinguir entre a promoção da paz e o abandono das responsabilidades globais dos EUA
Nos últimos dias ficámos a saber tudo aquilo que Obama ainda não fez e que, caso tivesse feito, poderia ter justificado plenamente a atribuição do prémio da Paz que o Comité Nobel Norueguês decidiu entregar-lhe na semana passada.
Mas ficámos também a saber tudo aquilo que Obama já fez pela paz e, mesmo que se considere o currículo insuficiente para justificar o prémio norueguês (a quem toda a gente tem chamado “sueco”), devemos concordar que é alguma coisa – a começar pelo seu “esforço para fortalecer a diplomacia internacional e a cooperação entre os povos”, pelo seu trabalho “para alcançar um mundo sem armas nucleares”, pela sua defesa da “diplomacia multilateral” e pela “ênfase no papel que as Nações Unidas e outras instituições internacionais” devem ocupar em vez da pose arrogante, unilateral, belicista e imperialista de W. Bush.
As críticas a esta atribuição do Nobel a Obama giram sempre em torno de uma declaração segundo a qual o Presidente americano “não fez nada” – ou “ainda” não fez nada, conforme as expectativas da pessoa que fala – em prol da paz. Penso que é absurdo dizer que Obama não fez nada pela paz e partilho o sentimento do Comité Nobel Norueguês quando este diz que o Presidente americano deu às pessoas de todo o mundo “um sentimento de esperança num futuro melhor” – e partilho o seu sentimento de que isso não é pouco. É evidente que é mais fácil termos consciência de uma corrida nuclear (e mais ainda de uma guerra nuclear) que de uma détente – a détente corre bem quando nada acontece –, mas seria profundamente errado imaginar que o discurso de Praga, soft power por excelência, não possui poder. São as palavras que mudam o mundo, são as palavras que criam o mundo, são as palavras que mobilizam as pessoas e foi por aqui que Obama começou. Dizer que o discurso de Obama no Cairo foram apenas palavras é estar fora do mundo e desconhecer como funcionam as pessoas – seria nem sequer perceber o princípio e o fim da política. Reconhecer a importância dessa mudança de discurso (que é estratégica porque é mobilizadora de vontades e de acção por todo o mundo, porque cria uma nova norma e novos procedimentos) é simplesmente honesto.
Posto isto, é evidente que este prémio Nobel constitui um incentivo a uma dada linha de acção – como o Nobel faz tantas vezes – mais do que um reconhecimento da acção passada. O Nobel da Paz já foi dado a pessoas menos do que recomendáveis (Henry Kissinger e Yasser Arafat vêm naturalmente à ideia) e o Nobel da Paz, mais do que uma instância de justiça histórica, gosta de se ver como um instrumento político de promoção da paz – mesmo quando tem de engolir uns sapos.
O que o Nobel da Paz dado a Obama significa é a renovação do aval dado pelo mundo democrático a esta nova postura dos EUA, é um incentivo e uma declaração de apoio – apoio de que Obama necessita em termos globais mas também nacionais, acossado como está por uma extrema- direita cada vez mais arrogante e mais violenta nos seus ataques ao Presidente.
É verdade que o Nobel pode ser um presente envenenado para Obama – como Jorge Almeida Fernandes referia no sábado nestas páginas –, mas resta-nos esperar que, usando a coragem e a inteligência que já demonstrou, o Presidente americano não peque nem por excesso (para mostrar internamente a sua determinação) nem por defeito (cedendo a uma imagem pacifista) e saiba distinguir entre a verdadeira promoção da paz e o que seria o abandono das responsabilidades globais dos EUA. É evidente, por exemplo, que a paz no Afeganistão nunca se alcançará através do abandono militar e deixando o terreno livre aos taliban, mas através de uma política que alie o reforço da intervenção militar à construção de escolas. É isso que Obama tem de compreender e de fazer. É certo que, com este Nobel, Obama fica a dever. E trata-se de uma dívida demasiado grande para poder ser perdoada.
Mas ficou também claro que se trata de uma dívida que muitos de nós, em todo o mundo, queremos ajudá-lo a pagar. (jvmalheiros@gmail.com)
Sem comentários:
Enviar um comentário