por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 8 de Setembro de 2009.
Texto publicado no jornal Público a 8 de Setembro de 2009.
Primeira crónica publicada no Público com o estatuto de cronista externo
Crónica x/2009
Crónica x/2009
A política e a imprensa adoptaram conscientemente como objectivo a superficialidade e a simplificação
A propósito de uma revisitação à obra de Camilo, Vasco Pulido Valente falava nestas páginas, na sua crónica do último domingo, do primarismo e da superficialidade que vêm invadindo o discurso em Portugal, tanto na imprensa como nos livros, e da perda de capacidade de expressão humana que essa mudança representa. VPV fala da influência empobrecedora do “estilo TV” e do “estilo SMS” na língua e poderia ter acrescentado o “estilo publicitário” ou o “estilo mail”.
É evidente que os novos códigos de comunicação – e, em particular, o televisivo – não têm vindo simplesmente somar-se aos anteriores para os enriquecer, mas antes têm uma tendência para os substituir, ocupando de forma imperialista e redutora todo o território da comunicação.
E, se isto não é verdade para todas as formas de comunicação, é verdade pelo menos para as suas formas mais públicas: a imprensa e a política (o discurso político é hoje em dia quase só discurso televisivo).
O que é mais preocupante, no entanto, não é que estejamos a assistir a um empobrecimento acelerado do discurso político e mediático, traduzido cada vez mais em proposições simplificadas e superficiais ou mesmo absolutamente ocas. O que é mais preocupante é que essa superficialidade e essa simplificação sejam – em ambos os domínios e cada vez mais – objectivos conscientemente perseguidos, o que permite esperar que a tendência se agrave.
Tanto na política como nos media se defende como desejável e se considera mais eficaz o recurso a um discurso simplificado, superficial, esquemático, que não obrigue a pensar muito, que possa ser imediatamente consumido sem mastigar, que não suscite dúvidas, que não ponha questões, que não possa alimentar discussões, de onde se tenta excluir toda a complexidade e toda a profundidade, que não obrigue a ir ao dicionário, tão próximo da publicidade e do espectáculo quanto necessário e tão longínquo da argumentação quanto possível. A imprensa procura os modelos atraentes e de leitura rápida, os artigos “leves”, os textos “fáceis de ler”; a política as mensagens curtas e que fi quem “no ouvido”, slogans e sound bites.
O problema é que nem tudo no mundo é simples nem isento de nuances. Assim, a simplificação é frequentemente abusiva e transforma-se numa mentira ou numa fraude. É uma das fraquezas da democracia (que se pode revelar mortal) que ela se tenha tornado o reino do discurso superficial, fast food for thought.
Trabalhei durante anos numa área – o jornalismo de ciência – onde era fundamental estudar um pensamento complexo e simplificá-lo para tentar transmitir ao público o essencial de uma pergunta, de uma investigação, de uma descoberta. Essa actividade de divulgação obrigava a sacrificar muita informação, tentando não sacrificar o rigor, a simplificar a mensagem sem a corromper.
Penso que hoje é necessário fazer precisamente o contrário no domínio da política: a mensagem gerada pelos seus autores (partidos, políticos, governos) é demasiado simplista para ser socialmente útil, para permitir que os cidadãos façam com ela alguma coisa, para permitir que façam as suas escolhas de forma mais livre e mais consciente. É fundamental aprofundar essa mensagem e eventualmente complicá-la (mostrar a sua complexidade).
Se há matérias e se há tempos em que é necessário simplificar para explicar, há matérias que têm de ser aprofundadas para ser explicadas. E há duas instituições que penso que têm a obrigação de levar essa tarefa avante: a imprensa (ao contrário do que pensa que deve fazer) e a academia. Essa é, sem dúvida, uma tarefa da democracia, cuja necessidade se torna dolorosamente evidente nestes dias de campanhas. (jvmalheiros@gmail.com)
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