Texto publicado no Público de 20 de Março de 2001
Crónica x/2001
Num provocador e interessante texto publicado ontem neste jornal ("As lágrimas politicamente incorrectas"), o crítico Eduardo Cintra Torres insurge-se contra aqueles que criticaram o estilo "tablóide" da cobertura televisiva feita à tragédia de Castelo de Paiva.
Na sua opinião, a censura feita a essa cobertura deve-se ao facto de uma certa élite intelectual, habituada a instituir-se como intermediária dos desejos colectivos, considerar por esse facto como "politicamente incorrectas" as "lágrimas do povo". ECT dá mesmo a entender que essas críticas proviriam de uma cumplicidade com o poder, já que "a dor dos que perderam os seus familiares era em si mesma uma insuportável acusação" e as lágrimas vertidas não seriam mais do que a expressão de uma justa revolta.
Tendo escrito nesta mesma coluna na semana passada, em tom crítico, sobre o tema da cobertura televisiva de Castelo de Paiva, não posso deixar de aceitar a provocação de ECT — ainda que não me reveja nem em todas as críticas feitas à televisão nem, provavelmente, em todas as suas intenções.
Antes de mais, é bom lembrar que a linha do bom senso e do bom gosto impõe certas limitações de grau que são sempre difíceis de discutir e que a eventual utilização de um cronómetro também não ajudaria a clarificar. Se há imagens de desespero que pode ser imperativo mostrar, é evidente que existe um momento onde a insistência se torna excessiva. Essa linha, que define a diferença entre a informação com emoção e o vampirismo, é impossível de definir em teoria. E nas imagens de Castelo de Paiva houve muitos momentos, demasiados, onde o vampirismo, a exploração da emoção para fins circenses ou comerciais foi visível. E foi triste de ver. Porque nos sentimos na pele do outro e sabemos que quereríamos e mereceríamos o pudor se lá estivéssemos de facto.
É evidente que é dever do jornalista mostrar o desespero, testemunhar o luto e dar voz à revolta, mas não é isso que constitui um problema. O problema é quando o que se pede ao entrevistado está para lá da possibilidade do discurso. Se há perguntas que dão a voz, há perguntas que a calam e que mais não são do que uma forma de abuso de poder. Uma forma de negação do discurso do outro, de imposição de outro discurso, de exploração.
A crítica feita nesta coluna na semana passada é tanto uma crítica ética como técnica. Há relações, contextos e momentos que admitem que se pergunte "O que sentiu?" e que permitem uma resposta real. Há outros momentos onde ela é uma violação e uma mordaça. Para mais quando sabemos o que significa ser entrevistado na televisão, com um projector na cara, um jornalista que só ouve o som que sai do seu auricular e que pede a nossa cumplicidade para não estragarmos o espectáculo.
Há limites à liberdade de informar. Um desses limites é o âmbito da vida privada. As lágrimas por um filho ou por um pai não são as lágrimas por Amália ou a emoção do Presidente da República. E o jornalista deve ter o pudor de as respeitar.
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