Texto publicado no Público de 2 de Janeiro de 2001
Crónica 1/2001
Uma das maravilhas tecnológicas do comércio electrónico que a Web prometeu às empresas foi a capacidade de monitorizar o comportamento dos seus clientes de forma automática. Navegar na Internet é, de facto, saltar de computador em computador, e todos sabemos que os computadores têm o obsessivo hábito de registar tudo o que lhes fazemos.
Não é possível fazer uma compra na Internet sem que esse acto fique registado numa base de dados e, à medida que as nossas compras vão crescendo, essas bases de dados vão guardando informações cada vez mais detalhadas sobre os nossos hábitos, as nossas preferências, os nossos gostos, sobre nós.
Hoje, para conhecer os gostos de uma clientela potencial, basta um programa que analisa as cascatas de cliques que saem dos nossos ratos.
É evidente que este conhecimento tem um lado positivo tanto para os vendedores como para os consumidores: as empresas podem desta forma fazer ofertas compatíveis com as preferências e necessidades dos seus clientes potenciais, aumentando as suas vendas e a satisfação dos compradores.
Porém, é conveniente não perder de vista as implicações sociais de um tal sistema.
À medida que a Web se vai tornando um espaço cada vez mais vigiado, o grau de liberdade de que gozamos nesse espaço sofre uma restrição. É irrelevante que a informação que é recolhida sobre nós vise vender-nos cada vez mais produtos e não o controlo autoritário dos nossos gestos. O fundo da questão é que, cada vez mais, cada gesto que fazemos na Web é seguido por um programa e essa monitorização, só por si, é uma redução da nossa liberdade.
A liberdade não é só o direito e a possibilidade de agir segundo a nossa consciência moral, as nossas escolhas racionais e as nossas preferências emocionais. É também o direito de o fazer secretamente, sem que ninguém o possa saber. A liberdade está ligada ao anonimato de que podemos gozar, à protecção da nossa esfera privada.
A física quântica ensinou-nos que a observação altera os eventos observados, a antropologia confirma que alguém que é observado age de forma condicionada.
Quando estamos protegidos dos olhares exteriores estamos também protegidos de pressões, de censuras, de represálias.
Sentimo-nos mais livres numa cidade estrangeira porque nos sentimos livres do escrutínio dos nossos pares, da atenção dos nossos vizinhos, porque somos mais anónimos.
O sufrágio nos países democráticos é secreto por se considerar que a vontade dos eleitores só se pode exprimir de forma verdadeiramente livre se for feita de forma anónima, no segredo de uma cabine de voto.
A Web e o comércio electrónico precisam da confiança dos utilizadores, mas essa confiança só existirá se cada internauta puder saber, em cada momento, que informação está a ser colhida sobre o seu comportamento e se puder controlar facilmente essa informação e recusar o seu processamento. Os cidadãos devem exigir esse controlo, as empresas devem proporcioná-lo e as autoridades devem garanti-lo.
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