por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 3 de Fevereiro de 2004
Crónica 5/2004
O problema não é a existência do "off": o problema está em que um jornalista considere uma informação de uma fonte "off the record" suficiente para, sem mais, escrever uma notícia.A propósito de vários episódios mediáticos nacionais e internacionais, da Casa Pia ao caso Kelly, tem-se discutido entre nós a identificação das fontes (ou não) e a utilização do "off the record" nos contactos com jornalistas.
Convém esclarecer que a regra do jornalismo é a identificação, a publicação das suas fontes. É evidente porquê: o cidadão tem direito a conhecer a fonte de uma informação para poder responsabilizar o seu autor, deve conhecer os interesses da fonte caso existam, deve poder avaliar a sua credibilidade ao longo do tempo e exigir-lhe contas se for caso disso. O jornalista deve actuar como um promotor de transparência e de responsabilização e a identificação das fontes é fundamental para isso. Um jornalista não pode ser a cortina de fumo dos interesses obscuros.
Se a regra deve ser a identificação, em que casos pode um jornalista garantir o anonimato a uma fonte que constitua a base de uma dada história? Apenas quando exista uma fundada razão para essa fonte considerar que a identificação lhe pode trazer um prejuízo grave: um funcionário que se arrisca a ser despedido por divulgar uma má prática da sua instituição, por exemplo.
É evidente que muitas das declarações em "off" das fontes jornalísticas constituem aquilo a que se chama "informação de background" — informação que uma fonte quer passar ao jornalista, para influenciar o seu ponto de vista, mas não quer ver-lhe atribuída. É correcto um jornalista aceitar isso? Sim, desde que tenha presente que: a) uma fonte é sempre uma parte interessada e convém ouvir as outras partes b) uma informação (mesmo de "background") não confirmada de forma independente nunca deve ser publicada.
O que é inaceitável é ver publicadas "notícias" baseadas em informações oriundas de uma fonte não identificada. O problema não é a existência do "off": o problema está em que um jornalista considere uma informação de uma fonte "off the record" suficiente para, sem mais, escrever uma notícia.
Caso o jornalista confie piamente na fonte e considere que as informações que ela lhe presta não carecem de confirmação (o que acontece), pode escrever a sua notícia se o quiser, mas assumindo ele próprio a informação ("Fulano vai apresentar a sua demissão amanhã") sem precisar de a atribuir a uma fonte não identificada — que não lhe dará mais credibilidade. Claro que jogará nisso a sua reputação e deverá ser a sua cabeça a cair caso a notícia se revele falsa.
Não deve é utilizar a "fonte que pediu para não ser identificada" como bode expiatório. Cabe ao jornalista confirmar a informação e não ser o mensageiro de fontes não identificadas. As fontes podem falar em "off", não pode é haver "notícias em off". As notícias são da autoria do jornalista, que fala sempre em "on".
É evidente que, para um jornalista de política, o "off" é precioso (declarações políticas, críticas), mas também aqui ele deve ser usado apenas como "background" e só depois de confirmado — eventualmente por outros "offs". Só muito excepcionalmente uma declaração em "off" deve ser citada — e as circunstâncias em que isso é possível deveriam ser sempre objecto de discussão caso a caso. Na prática, a citação em "off" é usada muitas vezes na guerrilha política, pois se o leitor comum não sabe quem falou, o destinatário da crítica adivinha-o.
A prática de citações em "off" nos jornais permite alimentar a irresponsabilidade dos políticos. Se é possível conseguir publicar uma declaração fazendo chegar um recado a quem se quer, sem assumir qualquer ónus público, porque é que um político não o iria fazer? Inversamente, se uma declaração em "off" por regra não fosse citada, isso obrigaria os políticos a assumir mais frequentemente a responsabilidade pelo que dizem.
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